Jardim - Henriqueta Lisboa

_Menina faceira
de laço de fita
não vás tão bonita
sozinha ao jardim.
Se pensar Beija-Flor
que teu laço é flor,
pelos ares levará
um anel dos teus cabelos.

_Mamãe, não tenha cuidado,
eu sei dar laço bem dado.

_Menina trigueira
de faces vermelhas
no jardim sem teu irmão
não fiques, não.
Se Beija-Flor imagina
que teu rosto é flor,
menina, minha menina,
de certo um beijo te dá.

_Quando ele me der um beijo,
nas minhas mãos estará.

Carta aos mortos - Affonso Romano de Sant’Anna

Amigos, nada mudou
em essência.

Os salários mal dão para os gastos,
as guerras não terminaram
e há vírus novos e terríveis,
embora o avanço da medicina.
Volta e meia um vizinho tomba morto
por questão de amor.
Há filmes interessantes, é verdade,
e como sempre, mulheres portentosas
nos seduzem com suas bocas e pernas,
mas em matéria de amor
não inventamos nenhuma posição nova.
Alguns cosmonautas ficam no espaço
seis meses ou mais, testando a engrenagem
e a solidão.
Em cada olimpíada há recordes previstos
e nos países, avanços e recuos sociais.
Mas nenhum pássaro mudou seu canto
com a modernidade.

Reencenamos as mesmas tragédias gregas,
relemos o Quixote, e a primavera
chega pontualmente cada ano.

Alguns hábitos, rios e florestas
se perderam.
Ninguém mais coloca cadeiras na calçada
ou toma a fresca da tarde,
mas temos máquinas velocíssimas
que nos dispensam de pensar.

Sobre o desaparecimento dos dinossauros
e a formação das galáxias
não avançamos nada.
Roupas vão e voltam com as modas.
Governos fortes caem, outros se levantam,
países se dividem e as formigas e abelhas continuam
fiéis ao seu trabalho.

Nada mudou em essência.

Cantamos parabéns nas festas,
discutimos futebol na esquina
morremos em estúpidos desastres
e volta e meia
um de nós olha o céu quando estrelado
com o mesmo pasmo das cavernas.
E cada geração , insolente,
continua a achar
que vive no ápice da história.

Ultimatum - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Mandado de despejo aos mandarins do mundo:
Fora tu reles esnobe plebeu
E fora tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade e tu,
da juba socialista, e tu qualquer outro.

Ultimatum a todos eles e a todos que sejam como eles todos.

Monte de tijolos com pretensões a casa
Inútil luxo, megalomania triunfante
E tu Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral
que nem te queria descobrir.

Ultimatum a vós que confundes o humano com o popular.

Que confundes tudo!
Vós anarquistas deveras sinceros
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores
para quererem deixar de trabalhar.

Sim, todos vos que representais o mundo,
homens altos passai por baixo do meu desprezo
Passai, aristocratas de tanga de ouro,
Passai frouxos
Passai radicais do pouco!

Quem acredita neles?

Mandem tudo isso para casa, descascar batatas simbólicas
Fechem-me isso a chave e coloquem a chave fora.
Sufoco de ter só isso a minha volta.

Deixem-me respirar!

Abram todas as janelas
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo.

Nenhuma idéia grande,
nenhuma corrente política que soe a uma idéia grão!

E o mundo quer a inteligência nova
O mundo tem sede de que se crie
O que aí está a apodrecer a vida,
quando muito, é estrume para o futuro.
O que aí está não pode durar porque não é nada.

Eu, da raça dos navegadores, afirmo que não pode durar!
Eu, da raça dos descobridores,
desprezo o que seja menos que descobrir o mundo novo.

Proclamo isso bem alto, braços erguidos, fitando o Atlântico
e saudando abstratamente o infinito.

Olhar - Ferreira Gullar

O que eu vejo
me atravessa

como ao ar
a ave

o que eu vejo passa
através de mim
quase fica
atrás de mim

o que eu vejo
– a montanha por exemplo
banhada de sol –
me ocupa
e sou apenas
essa rude pedra iluminada
ou quase
se não fora
saber que a vejo.

HAIKAI - Yeda Prates Bernis

Imóvel,
o barco.
No entanto, viaja.

Imagine - John Lennon

Imagine - John Lennon

Imagine que não há paraíso
É fácil se você tentar
Nenhum inferno abaixo de nós
Acima de nós apenas o céu
Imagine todas as pessoas
Vivendo para o hoje

Imagine não existir países
Não é difícil de fazê-lo
Nada pelo que matar ou morrer
E nenhuma religião também
Imagine todas as pessoas
Vivendo a vida em paz

Você pode dizer
Que eu sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Espero que um dia
você se junte a nós
E o mundo, então, será como um só

Imagine não existir posses
Me pergunto se você consegue
Sem necessidade de ganância ou fome
Uma irmandade de homens
Imagine todas as pessoas
Compartilhando todo o mundo

Você pode dizer
Que eu sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Espero que um dia
Você se juntará a nós
E o mundo, então, será como um só.

Magnólia - Miguel Torga

Uma flor.
Uma cor
Acordada.
Uma vida feliz
Que o diz
Numa voz perfumada.

Quase nada - Eugénio de Andrade



O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.

Solidão - Henriqueta Lisboa

Um homem na solidão
– que perene solilóquio! –
fala profundo a si próprio.

Fala a Deus em termos claros
a fluírem das mesmas águas
pela eternidade em curso.

Fala com tremor na voz
para que relvas e musgos
a palavra testemunhem.

Fala com os ventos diversos
para que a mensagem levem
aos ouvidos do horizonte.

Fala com o penhor das rochas
para que as estrelas o ouçam
desde a pedra em que se assenta:

“Da pedra da solidão
hei de levantar um templo.”

Poema - Emílio Moura



Já não olhamos para o alto,
nem para baixo.
Vivemos sob a terra, almas subterrâneas, vozes sem eco.

Entretanto existes.
Sentimos que existes, mas é inútil,
e, insensíveis, nos calamos.
Já não temos braços, nem pernas.
Já perdemos a graça de compreender o que nos poria de novo,
sob o Teu signo.
Mergulhados no tempo, em vão queremos descobrir onde nos
abandonaste.
Estrela solitária, navegas num céu indecifrável que ninguém
atinge.
Só os poetas Te reconhecem.
Só as crianças é que ainda Te procuram como se tivessem asas.
A eternidade Te revelou quando ainda não havia noite.
A eternidade Te conservará até que a última noite desapareça.

Poema 25 de Metal Rosicler - Cecília Meireles



Com sua agulha sonora
borda o pássaro o cipreste:
rosa ruiva da aurora,
folha celeste.

E com tesoura sonora
termina o bordado aéreo.
Silêncio. E agora
parte para o mistério.

A ruiva rosa sonora
com sua folha celeste
imperecível mora
no cipreste.

A chuva - Humberto Ak'aba


Ontem encontrei uma nuvem chorando.

Contou-me que havia levado sua água
à cidade
e se perdera.

Procurou paisagens,
e a cidade as havia engolido.

Descalça, triste e sozinha,
regressou.

Voltou a chover no campo;
xaras e sanates
festejaram.

E cantaram os sapos.


Eu não vou perturbar a paz - Manoel de Barros

De tarde um homem tem esperanças.
Está sozinho, possui um banco.
De tarde um homem sorri.
Se eu me sentasse a seu lado
Saberia de seus mistérios
Ouviria até sua respiração leve.
Se eu me sentasse a seu lado
Descobriria o sinistro
Ou doce alento de vida
Que move suas pernas e braços.

Mas ah! eu não vou perturbar a paz
que ele depôs na praça, quieto.

Bem-te-vi... Bem-te-vi... Cora Coralina

Que terás visto?
Há quanto tempo tu avisas, bem-te-vi...
Bem-te-vi da minha infância, sempre a gritar,
sempre a contar, fuxiqueiro,
e não viste nada.

Meu amiguinho, preto-amarelo.
Em que ninho nasceste, de que ovinho vieste,
e quem te ensinou a dizer: Bem-te-vi?...
Bem te vejo, queria eu também cantar e repetir
para ti: Bom dia, bem te vejo, te escuto.
Bem-te-vi sobrevivente
de tantos que já não voam sobre o rio,
nem pousam nas palmas dos coqueiros altos...

Mostra para mim,
meu velho companheiro de uma infância ultrapassada,
tua casa, tua roça, teu celeiro, teu trabalho, tua mesa de comer,
tuas penas de trocar,
leva-me à tua morada de amor e procriar.
Vamos ao altar de Deus agradecer ao criador
não desaparecerem de todo os Bem-te-vis
dos Reinos de Goiás.

Canta para mim, tão antiga como tu,
as estorinhas do passado.
Bem-te-vi inzoneiro, malicioso e vigilante.
Conta logo o que viste, fuxiqueiro do espaço,
sempre nas folhas dos coqueiros altos,
que também vão morrendo devagar como morrem os coqueiros,
comidos de velhice e de lagartas.

HAIKAI - Aníbal Beça

Céu de primavera
no jardim dorme a menina.
Qual a flor do sonho?

Os raios e as sombras - Tristeza do Olimpo - Victor Hugo

... "Tão pouco tempo é suficiente para mudar todas as coisas!
Natureza com a fronte serena, como você esquece!
E como vós se feres em suas metamorfoses
Os filhos misteriosos de onde nossos corações são limitados!

... "O limite do caminho, que vive uma jornada sem fim,
Onde antes de me entender ele gostaria de se sentar,
Cansou de golpear, quando a estrada é escura,
As grandes carruagens gémissants que volta da noite.

... "Outros irão passar agora aonde nós passamos.
Nós viemos de lá, outros virão de vir,
e o sonho que esboçará em nossas duas almas
Eles continuarão sem nunca ter fim!

... " Responda , puro vale pequeno, responda, solidão,
Oh Natureza protegida neste deserto tão belo,
Quando nós dormiremos ambos de qualquer jeito,
Distribuir as mortes pensativas em forma da tumba;

... "É o que vós seria capaz, sem tristeza e sem pranto,
Ver nosso sombras flutuantes não trabalharem por nós,
E ver o ensinamento, num abraço sombrio,
Versos de qualquer origem em lágrimas que soluçam profundamente?

... " Eh bem! Nos esqueça, casa, jardim, sombra;
Erva, use nossa soleira! Arbusto, não nos esconda!
Cantem, pássaros! Rios, corram! Cresçam, folhagens!
Esses que vós esqueceis não os esquecerão.

" Porque vós sois para nós a sombra do mesmo amor,
Vós sóis o oásis daquele que se encontra na senda !
Vós sóis , oh pequeno vale, o descanso supremo ,
Onde nós choramos segurando-nos pelas mãos!

" Todas as paixões mudam com o tempo,
Umas levam a nos mascarar e o outras nos esfaqueiam,
Como uma multidão cantando na viagem
De quem o grupo diminui atrás da pequena colina.

"... E lá, por esta noite em que nenhuma raio de estrela ,
A alma, em uma dobra escura onde tudo parece terminar,
Sente qualquer coisa a palpitar debaixo de um véu...
És tu que dorme na sombra, oh sacra lembrança!"