Murmúrios - Dora Ferreira da Silva
Pousa num ramo um sopro de agonia
dos que morrem (sem saber)
em nosso coração.
Suspira a noite no vento vadio.
Amados mortos: tentais dizer
o quanto amais ainda?
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Dora Ferreira da Silva
Maquinomem - Helena Kolody
O homem esposou a máquina
e gerou um híbrido estranho:
um cronômetro no peito
e um dínamo no crânio.
As hemácias de seu sangue
são redondos algarismos.
Crescem cactos estatísticos
em seus abstratos jardins.
Exato planejamento,
a vida do maquinomem.
Trepidam as engrenagens
no esforço das realizações.
Em seu íntimo ignorado,
há uma estranha prisioneira,
cujos gritos estremecem
a metálica estrutura;
há reflexos flamejantes
de uma luz imponderável
que perturbam a frieza
do blindado maquinomem.
e gerou um híbrido estranho:
um cronômetro no peito
e um dínamo no crânio.
As hemácias de seu sangue
são redondos algarismos.
Crescem cactos estatísticos
em seus abstratos jardins.
Exato planejamento,
a vida do maquinomem.
Trepidam as engrenagens
no esforço das realizações.
Em seu íntimo ignorado,
há uma estranha prisioneira,
cujos gritos estremecem
a metálica estrutura;
há reflexos flamejantes
de uma luz imponderável
que perturbam a frieza
do blindado maquinomem.
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Primeira lição - Lêdo Ivo
Na escola primária
Ivo viu a uva
e aprendeu a ler.
Ao ficar rapaz
Ivo viu a Eva
e aprendeu a amar.
E sendo homem feito
Ivo viu o mundo,
seus comes e bebes.
Um dia num muro
Ivo soletrou
a lição da plebe.
E aprendeu a ver.
Ivo viu a ave?
Ivo viu o ovo?
Na nova cartilha
Ivo viu a greve
Ivo viu o povo.
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Lêdo Ivo
Pousa um momento - Fernando Pessoa
Pousa um momento,
Um só momento em mim,
Não só o olhar, também o pensamento.
Que a vida tenha fim
Nesse momento!
No olhar a alma também
Olhando-me, e eu a ver
Tudo quanto de ti teu olhar tem.
A ver até esquecer
Que tu és tu também.
Só tua alma sem tu
Só o teu pensamento
E eu onde, alma sem eu. Tudo o que sou
Ficou com o momento
E o momento parou.
Um só momento em mim,
Não só o olhar, também o pensamento.
Que a vida tenha fim
Nesse momento!
No olhar a alma também
Olhando-me, e eu a ver
Tudo quanto de ti teu olhar tem.
A ver até esquecer
Que tu és tu também.
Só tua alma sem tu
Só o teu pensamento
E eu onde, alma sem eu. Tudo o que sou
Ficou com o momento
E o momento parou.
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Administério - Paulo Leminsk
Quando o mistério chegar,
já vai me encontrar dormindo,
metade dando pro sábado,
outra metade, domingo.
Não haja som nem silêncio,
quando o mistério aumentar.
Silêncio é coisa sem senso,
não cesso de observar.
Mistério, algo que, penso,
mais tempo, menos lugar.
Quando o mistério voltar,
meu sono esteja tão solto,
nem haja susto no mundo
que possa me sustentar.
Meia-noite, livro aberto.
Mariposas e mosquitos
pousam no texto incerto.
Seria o branco da folha,
luz que parece objeto?
Quem sabe o cheiro do preto,
que cai ali como um resto?
Ou seria que os insetos
descobriram parentesco
com as letras do alfabeto?
já vai me encontrar dormindo,
metade dando pro sábado,
outra metade, domingo.
Não haja som nem silêncio,
quando o mistério aumentar.
Silêncio é coisa sem senso,
não cesso de observar.
Mistério, algo que, penso,
mais tempo, menos lugar.
Quando o mistério voltar,
meu sono esteja tão solto,
nem haja susto no mundo
que possa me sustentar.
Meia-noite, livro aberto.
Mariposas e mosquitos
pousam no texto incerto.
Seria o branco da folha,
luz que parece objeto?
Quem sabe o cheiro do preto,
que cai ali como um resto?
Ou seria que os insetos
descobriram parentesco
com as letras do alfabeto?
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Mar! - Miguel Torga
Mar!
Engenhosa sereia rouca e triste!
Foste tu quem nos veio namorar,
E foste tu depois que nos traíste!
Mar!
E quando terá fim o sofrimento!
E quando deixará de nos tentar
O teu encantamento!
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Miguel Torga
Noturno - José Paulo Paes
O apito do trem perfura a noite.
As paredes do quarto se encolhem.
O mundo fica mais vasto.
Tantos livros para ler
tantas ruas por andar
tantas mulheres a possuir…
Quando chega a madrugada
o adolescente adormece por fim
certo de que o dia vai nascer especialmente para ele.
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José Paulo Paes
Procelária - Sophia de Mello B. Andresen
É vista quando há vento e grande vaga
Ela faz o ninho no rolar da fúria
E voa firme e certa como bala
As suas asas empresta à tempestade
Quando os leões do mar rugem nas grutas
Sobre os abismos passa e vai em frente
Ela não busca a rocha o cabo o cais
Mas faz da insegurança a sua força
E do risco de morrer seu alimento
Por isso me parece a imagem justa
Para quem vive e canta no mau tempo.
Ela faz o ninho no rolar da fúria
E voa firme e certa como bala
As suas asas empresta à tempestade
Quando os leões do mar rugem nas grutas
Sobre os abismos passa e vai em frente
Ela não busca a rocha o cabo o cais
Mas faz da insegurança a sua força
E do risco de morrer seu alimento
Por isso me parece a imagem justa
Para quem vive e canta no mau tempo.
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O amor é o amor - Alexandre O'Neill
O amor é o amor - e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?..
O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!
Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?..
O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!
Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?!
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Sou professor - John W. Schlatter
Nasci no momento exato em que uma pergunta
saltou da boca de uma criança.
Fui muitas pessoas em muitos lugares.
Sou Sócrates, estimulando a juventude de Atenas a
descobrir novas idéias através de perguntas.
Sou Anne Sullivan, extraindo os segredos do universo
da mão estendida de Helen Keller.
Sou Esopo e Hans Christian Andersen, revelando a
verdade através de inúmeras histórias.
Sou Marva Collins, lutando pelo direito de
toda a criança à Educação.
Sou Mary McCloud Bethune, construindo uma
grande universidade para meu povo, utilizando
caixotes de laranja como escrivaninhas.
Sou Bel Kauffman, lutando para colocar em
prática o Up Down Staircase.
Os nomes daqueles que praticaram minha profissão
soam como um corredor da fama para a humanidade...
Booker T. Washington, Buda, Confúcio,
Ralph Waldo Emerson, Leo Buscaglia, Moisés e Jesus.
Sou também aqueles cujos nomes foram há muito
esquecidos, mas cujas lições e o caráter serão sempre
lembrados nas realizações de seus alunos.
Ao longo de cada dia tenho sido solicitado como ator,
amigo, enfermeiro e médico, treinador, descobridor
de artigos perdidos, psicólogo, pai substituto,
vendedor, político e mantenedor da fé.
A despeito de mapas, gráficos, fórmulas, verbos,
histórias e livros, não tenho tido, na verdade,
nada o que ensinar, pois meus alunos têm apenas a si
próprios para aprender, e eu sei que é preciso o mundo
inteiro para dizer a alguém quem ele é.
Sou um paradoxo.
É quando falo alto que escuto mais.
Sou um caçador de tesouros em tempo integral,
em minha busca de novas oportunidades para que
meus alunos usem seus talentos e em minha procura
constante desses talentos que, às vezes,
permanecem encobertos pela auto-derrota.
Sou o mais afortunado entre todos os que labutam.
A um médico é permitido conduzir a vida num
mágico momento.
A mim, é permitido ver que a vida renasce a cada
dia com novas perguntas, ideias e amizades.
Um arquiteto sabe que, se construir com cuidado,
sua estrutura poderá permanecer por séculos.
Um professor sabe que, se construir com amor e verdade,
o que construir durará para sempre.
Sou um guerreiro, batalhando diariamente contra a
pressão dos colegas, o negativismo, o medo, o conformismo,
o preconceito, a ignorância e a apatia.
Mas tenho grandes aliados: Inteligência, Curiosidade,
Individualidade, Criatividade, Fé, Amor e Riso,
todos correm a tomar meu partido com apoio indômito.
E assim, tenho um passado rico em memórias.
Tenho um presente de desafios, aventuras e divertimento,
porque a mim é permitido passar meus dias com o futuro.
Sou professor... e agradeço a Deus por isso todos os dias.
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John W. Schlatter
HAIKAI - Yeda Prates Bernis
Cai da folha
a gota dágua. Lá longe,
o oceano aguarda.
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Matinal - Henriqueta Lisboa
Acorda de madrugada
em lugarejo distante
uma voz terna e confiada:
– Deus é grande.
Nasce das escuras pedras
uma fita de água voante
em que o arco-íris se reflete
– Deus é grande.
As águas límpidas jorram
de banquetas espelhantes:
num desperdício de jóias.
– Deus é grande.
São cabritos, vêm aos saltos
esses meninos ao banho
Como está cheia a cascata!
– Deus é grande.
em lugarejo distante
uma voz terna e confiada:
– Deus é grande.
Nasce das escuras pedras
uma fita de água voante
em que o arco-íris se reflete
– Deus é grande.
As águas límpidas jorram
de banquetas espelhantes:
num desperdício de jóias.
– Deus é grande.
São cabritos, vêm aos saltos
esses meninos ao banho
Como está cheia a cascata!
– Deus é grande.
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Henriqueta Lisboa
Viver - Mário Quintana
Quem nunca quis morrer
Não sabe o que é viver
Não sabe que viver é abrir uma janela
E pássaros pássaros sairão por ela
E hipocampos fosforescentes
Medusas translúcidas
Radiadas
Estrelas-do-mar... Ah,
Viver é sair de repente
Do fundo do mar
E voar...
e voar,
cada vez para mais alto
Como depois de se morrer!
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Mário Quintana
HAIKAI - Setsuko Oyakawa
Nuvem vaidosa
Pra se despedir do sol
Se vestiu de rosa.
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Viola caipira no sítio Vista Alegre - Ribeiro Couto
A casa de palha
À beira do rio.
A noite se orvalha
De estrelas remotas.
É noite de frio,
Geada nas grotas,
Café no fogão.
Café, aguardente
E fumo de rolo
Picado na mão.
Viola plangente...
Lá fora o monjolo
Batendo no chão.
Bem-querer ingrato
Que a negra candonga
Deixou no mulato.
Noite longa, longa,
A noite do mato.
À beira do rio.
A noite se orvalha
De estrelas remotas.
É noite de frio,
Geada nas grotas,
Café no fogão.
Café, aguardente
E fumo de rolo
Picado na mão.
Viola plangente...
Lá fora o monjolo
Batendo no chão.
Bem-querer ingrato
Que a negra candonga
Deixou no mulato.
Noite longa, longa,
A noite do mato.
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