A ilha - Mia Couto
Passei a noite
sem respirar.
Tu eras o meu
mar,
meu mar,
meu tempo, minha
colheita.
O quarto recolheu
a noite
como um pastor,
em silêncio,
convoca os seus
bichos.
Quando a luz
floriu
eu me ceguei de
encontro à janela.
E, assim, cego
retornei ao teu
ventre
como búzio
espirilando o
infinito
na sua própria
concha.
Não me chega o
corpo que sou.
Resta-me
o desenho da lua
na tua pupila.
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Mia Couto
Agenda - Miguel Torga
Folheio a vida
Num calendário velho.
Dias riscados, como
contas pagas.
Domingos de repouso,
Segundas de trabalho
Sábados de cansaço,
Sem nenhum sentido.
No abismo do nada,
O nada, apenas.
Quem sofreu nestas
páginas vazias,
Tão frias,
Tão serenas?
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Miguel Torga
Cecília Meireles
Em colcha florida
me deitei.
Pássaros pintados
escutei.
Grinaldas nos ares
completei.
Da morte e da vida
me lembrei.
Dias acabados
lamentei.
(Flores singulares
não bordei.
A canção trazida
não cantei.
Naveguei tormentas pelos
quatro lados.
Não as amansei!
Ó grinaldas, flores, pássaros
pintados,
como dormirei?)
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Cecília Meireles
Canção - Tasso da Silveira
O país que procuras
fica além da distância.
Talvez teu passo não o atinja
mesmo se caminhares
toda a tarde do mundo.
O país que procuras
é longe.
Existe à beira dos profundos
mananciais
de genesíaco frescor.
Banha-se na clara névoa das
origens,
na pura luz da infinita
inocência.
Talvez teu passo não lhe
atinja
a perdida fronteira,
mesmo se caminhares,
caminhares
ininterruptamente
toda a noite da Vida...
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Tasso da Silveira
Sempre em viagem - Helena Kolody
Rodopiando com a Terra,
Girando em torno do sol,
viajamos velozmente
pela Via Láctea,
(... tão minúsculos
que nem percebemos
esse estar sempre em viagem.)
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Helena Kolody
Eu sou essa pessoa a quem o vento chama - Cecília Meireles
Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
- Agora és livre, se ainda recordas.
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Cecília Meireles
Condição humana - Emílio Moura
Como captar da vida
o que rápido, foge
entre dúvidas? Como
reter o que, mal surge,
já se desfaz: é sombra,
algo vago, já neutro,
réstia pálida, eco
de nada, de ninguém?
Um minuto se esboça,
rútilo se sonha,
ardente se anuncia.
Onde? Quando? Quem sabe?
Sempre se sabe tarde,
sem mais onde, nem quando.
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Emílio Moura
Há palavras que nos beijam - Alexandre O’Neill
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
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Alexandre O'Neill
Acordar, viver - Carlos Drummond de Andrade
Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?
Ninguém responde, a vida é pétrea.
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Carlos Drummond de Andrade
Vigília das Mães - Cecília Meireles
Nossos filhos viajam pelos
caminhos da vida,
pelas águas salgadas de muito
longe,
pelas florestas que escondem
os dias,
pelo céu, pelas cidades, por
dentro do mundo escuro
de seus próprios silêncios.
Nossos filhos não mandam
mensagens de onde se encontram.
Este vento que passa pode
dar-lhes a morte.
A vaga pode levá-los para o
reino do oceano.
Podem estar caindo em
pedaços, como estrelas.
Podem estar sendo
despedaçados em amor e lágrima.
Nossos filhos têm outro
idioma, outros olhos, outra alma.
Não sabem ainda os caminhos
de voltar, somente os de ir.
Eles vão para seus
horizontes, sem memória ou saudade,
não querem prisão, atraso,
adeuses:
deixam-se apenas gostar,
apressados e inquietos.
Nossos filhos passaram por
nós, mas não são nossos,
querem ir sozinhos, e não
sabemos por onde andam.
Não sabemos quando morrem,
quando riem,
são pássaros sem residência
nem família
à superfície da vida.
Nós estamos aqui, nesta
vigília inexplicável,
esperando o que não vem, o
rosto que já não conhecemos.
Nossos filhos estão onde não
vemos nem sabemos.
Nós somos as doloridas do mal
que talvez não sofram,
mas suas alegrias não chegam
nunca à solidão de que vivemos,
seu único presente, abundante
e sem fim.
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Cecília Meireles
Quero-te apenas porque a ti eu quero - Pablo Neruda
Não te quero senão porque te
quero
e de querer-te a não
querer-te chego
e de esperar-te quando não te
espero
passa meu coração do frio ao
fogo.
Quero-te apenas porque a ti
eu quero,
a ti odeio sem fim e,
odiando-te, te suplico,
e a medida do meu amor
viajante
é não ver-te e amar-te como
um cego.
Consumirá talvez a luz de
Janeiro,
o seu raio cruel, meu coração
inteiro,
roubando-me a chave do
sossego.
Nesta história apenas eu
morro
e morrerei de amor porque te
quero,
porque te quero, amor, a
sangue e fogo.
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Pablo Neruda
Noite - Menotti Del Picchia
As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem.
Todos os rumores são postos em surdina,
todas as luzes se apagam.
Há um grande aparato de câmara funerária
na paisagem do mundo.
Os homens ficam rígidos,
tomam a posição horizontal
e ensaiam o próprio cadáver.
Cada leito é a maquete de um túmulo.
Cada sono em ensaio de morte.
No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.
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Menotti Del Picchia
Soneto 30 - William Shakespeare
Quando, em silêncio, penso,
docemente,
Sobre fatos idos e vividos,
Sinto falta do muito que
busquei,
E desperdiço um tempo
precioso com antigos lamentos:
Então meus olhos naufragam
sem mais saber chorar,
Por queridos amigos envoltos
pela noite do esquecimento,
E novamente choro o amor há
tanto abandonado,
Gemendo por algo que não mais
vejo:
Assim, posso sofrer as velhas
dores,
E lamentar, de pesar em
pesar,
Uma triste história de
antigas mágoas,
Que pranteio como se não as
tivesse pranteado antes.
Mas quando penso em ti,
querida amiga,
Todas as perdas cessam, e a
tristeza finda.
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William Shakespeare
Há vezes em que nem é a morte que se teme - Eduardo White
Há vezes em que nem é a morte que se teme,
o seu sossego de cinza,
a sua solidão escura,
mas como se morre.
Quando morrer
quero fazê-lo sem rumor algum,
sem ninguém que me chore
ou a quem doa.
E queria a morte uma ave,
nocturna ave
sigilosamente partindo
para outro tempo.
Para morrer, fá-lo-ia
em total silêncio,
severo
e lúcido.
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De Rerum Natura - Marco Lucchesi
além das nuvens
claras e sombrias
vivem os deuses
raros nas alturas...
livres de enganos
dores nostalgias
de morte vil
que aos poucos nos invade;
da chuva de átomos
em que se evade
indefinidamente
a natureza
em sua eterna
mas avara empresa
de reunir
os átomos-enxame,
seguindo a força
rude do cliname,
para formar
compostos provisórios,
que se desfazem
noutros repertórios:
estrelas, águas,
nuvens, tempestades,
cristais, abelhas,
glórias ou cidades
e flores, pedras,
corpos, consciência
– figuram
como pálida aparência...
e acima desse
mundo sempre em guerra
acima
da miragem dessa terra
repousam
esquecidos nos meatos
mais livres
os celestes, mais beatos
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Marco Lucchesi
Selo
Recebi
da amiga poetisa Lourdinha,
o
selo “Prêmio Dardos Bloggers” .
Obrigada
pela indicação.
Agradeço pelo carinho.
Beijos
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