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Contradição - Emílio Moura

Que sonho sonho
Neste degredo?
É tarde? É cedo?
É sonho o sonho?

Só és, sonhada?
Nunca exististe?
Ou nada existe?
ou tudo é nada?

Então, por que este
deslumbramento
de que nasceste?

Por que à acesa
viva incerteza
te reinvento?

Poema - Emílio Moura



Já não olhamos para o alto,
nem para baixo.
Vivemos sob a terra, almas subterrâneas, vozes sem eco.

Entretanto existes.
Sentimos que existes, mas é inútil,
e, insensíveis, nos calamos.
Já não temos braços, nem pernas.
Já perdemos a graça de compreender o que nos poria de novo,
sob o Teu signo.
Mergulhados no tempo, em vão queremos descobrir onde nos
abandonaste.
Estrela solitária, navegas num céu indecifrável que ninguém
atinge.
Só os poetas Te reconhecem.
Só as crianças é que ainda Te procuram como se tivessem asas.
A eternidade Te revelou quando ainda não havia noite.
A eternidade Te conservará até que a última noite desapareça.

Emílio Moura

Sempre te busco, nunca te encontro.
Que nuvem densa,
múltipla e vária,
te oculta aos olhos
que te sonharam?

E vão te chamo.
Eco perdido,
a voz retorna.
Frágil e tímida,
deu volta ao mundo.
Não te encontrou.

Meu pensamento
sobe bem alto,
sobe mais alto.
Espelho mágico,
mostra-te aos astros.
Nenhum te viu.

Ninguém te viu,
nem te verá.
Morres comigo.

Meu coração - Emílio Moura

Penso agora nos mortos que não têm nome,
nos vivos que não têm nome;
Penso agora naqueles que vieram cedo demais
e se cansaram,
e naqueles que chegaram depois
que todas as portas já estavam fechadas.
Penso agora na sede do homem desesperado
que se deixou ficar no deserto;
nos que lutaram inutilmente
por caminhos que não levaram a nada;
nos que se calaram, porque compreenderam,
e nos que disseram todas as palavras
e não foram compreendidos.

Por que foi que, de repente,
todas as vidas se somaram
para me envolver neste momento?
Meu coração se multiplica:
agora é apenas meu coração
que está palpitando no mundo.

Toada - Emílio Moura

Minha infância está presente.
É como se fora alguém.
Tudo o que dói esta noite,
eu sei, é dela que vem.

À boca da noite - Emílio Moura

Não olhes: é a noite
completa que tomba.

Não olhes: é a estrada
que, súbito, acaba.

Não olhes: é o anjo,
teu anjo que chora.

Não olhes.

Cenário de infância - Emílio Moura

Sombra de troncos e exílio nos olhos parados,
molhados.

O banzo sorrindo, chorando na noite,
cantando na noite,
e a noite sonora de banzo.

(E as amplas campinas estereotipando o irremediável exílio...)

Nas noites sem lua,
os sacis iam espiar os quilombos envenenados,
- gritinhos e falas vegetais no silêncio encharcado das lianas –
e voltava pulando com tições acesos pelas chapadas.

Calmaria - Emílio Moura

Água estagnada,
nuvem parada,
folha perdida,
pássaro de asa
partida.

- Ó vento que morreis,
de leve, de leve,
despertai!

Luz que se apaga,
sombra diluída,
névoa que vaga,
voz que se cala,
ferida.

- Ó vento que adormeceis,
de manso, de manso,
gritai, gritai!

Tímida esperança,
pálido desejo:
a tarde tão mansa,
tão lânguida a noite
que vem.

Ó alma náufraga,
como tudo o mais:
desesperai!