Dos pedaços de mim - César de Araújo
Encontro-me em pedaços pelo mundo
o pé direito subindo os edifícios
a mão esquerda a exigir amor.
Nos cabelos já nasciam flores
e grandes frutos pendiam de meus olhos.
Minha boca era mar
e o sangue, fonte rubra
de onde manavam as palavras.
Os dentes mastigavam nuvens
o azul invadiu meu coração.
Me fiz maior do que sou
deslimitei as fronteiras.
Fiz do sexo sementes:
o vento se incumbiu de me plantá-las.
Jamais serei somente mim:
se morro nas montanhas
recrio-me nos vales.
Quem repartiu as entranhas
não conhece o fim.
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César de Araújo
Riachinho - Roseana Murray
As águas claras
me contam segredos
de sol, de céu, de ar
e cantam acalantos
de ninar
enquanto correm ligeiras
da montanha para o mar.
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Roseana Murray
SÊ FÊNIX - Alice Poltronieri
Do sonho não lembrava mais
Cinza num longo e profundo suspirar
Melancólico cântico de um átimo de lucidez a sibilar
Fênix refletida renascia, em lágrima a cessar
Menina, mulher de ínfimo querer contido
De dor, arrefecido peito estrangulado
Em combustão por desdita solidão
Como fênix sobrevivi mil vezes
Se sofri, chorei, fui ao chão
Tornei-me em cinzas , virei pó
Renasço... por vezes
Num voo soberano
Asas imponentes me renovam
No calor de um grande amor
Regenerada, pura e pronta estou
Sou mesmo assim...
Boto a mão no fogo pra queimar
Queimo-me por gostar
Sou ave imaginária
Sou mito, perdulária (...?)
Não importa qual janela vai se abrir
Qual brecha vai a réstia entrar
De coração sempre a pulsar
meus olhos sentimentos a espelhar
Meus versos são fagulha de prosa estelar
Segredando aos adormecidos mortais.
Mitológica vou voar
Sou fênix, me permito sonhar.
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Alice Poltronieri
A Florbela Espanca - Alexei Bueno
Amada, por que eu tive a tua voz
Depois que o Nada teve a tua boca?
A lua, em sua palidez de louca,
Brilha igual sobre mim, e sobre nós!...
Porém como estás longe, como o algoz
De um só golpe sem fim — a Morte — apouca
Os gritos dos que esperam, a ânsia rouca
Dos que atrás têm seu sonho, os grandes sós!
Aqui não brilha o mundo que engendraste
Como o manto de um deus, e astros sangrentos
Não nos rolam nas mãos da imensa haste.
E só estes olhos meus, que nunca viste,
Se incendeiam, vitrais na noite atentos,
Voltados para o chão aonde fugiste!
Depois que o Nada teve a tua boca?
A lua, em sua palidez de louca,
Brilha igual sobre mim, e sobre nós!...
Porém como estás longe, como o algoz
De um só golpe sem fim — a Morte — apouca
Os gritos dos que esperam, a ânsia rouca
Dos que atrás têm seu sonho, os grandes sós!
Aqui não brilha o mundo que engendraste
Como o manto de um deus, e astros sangrentos
Não nos rolam nas mãos da imensa haste.
E só estes olhos meus, que nunca viste,
Se incendeiam, vitrais na noite atentos,
Voltados para o chão aonde fugiste!
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Parábola do andarilho - César de Araújo
Pois seu destino era estender o braço
de mãos repletas do ouro da alegria
compondo a vida sobre cada passo
calcado além do chão de todo dia.
Delineou no peito o próprio traço
dos caminhos de amor que seguiria
e não se esvaziava seu regaço
pois quanto mais se dava, enriquecia.
Não tinha tempo nem lugar descrito
para fazer cessar a caminhada
de eternidade que ele foi criando.
E compreendeu que o mundo era infinito
no tráfego de amor da própria estrada
e que chegar é sempre estar andando.
de mãos repletas do ouro da alegria
compondo a vida sobre cada passo
calcado além do chão de todo dia.
Delineou no peito o próprio traço
dos caminhos de amor que seguiria
e não se esvaziava seu regaço
pois quanto mais se dava, enriquecia.
Não tinha tempo nem lugar descrito
para fazer cessar a caminhada
de eternidade que ele foi criando.
E compreendeu que o mundo era infinito
no tráfego de amor da própria estrada
e que chegar é sempre estar andando.
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Tristeza no céu - Carlos Drummond de Andrade
No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Porque fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei.
Os anjos olham-no com reprovação,
e plumas caem.
Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor
caem, são plumas.
Outra pluma, o céu se desfaz.
Tão manso, nenhum fragor denuncia
o momento entre tudo e nada,
ou seja, a tristeza de Deus.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Porque fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei.
Os anjos olham-no com reprovação,
e plumas caem.
Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor
caem, são plumas.
Outra pluma, o céu se desfaz.
Tão manso, nenhum fragor denuncia
o momento entre tudo e nada,
ou seja, a tristeza de Deus.
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Carlos Drummond de Andrade
HAIKAI - Chiyo-jo
Borboleta!
O que sonhas, assim,
mexendo suas asas?
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Eu sou essa pessoa - Cecília Meireles
Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
- Agora és livre, se ainda recordas.
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Cecília Meireles
Mar Português - Fernando Pessoa
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
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Fernando Pessoa
Sob o céu todo estrelado - Manuel Bandeira
As estrelas, no céu, brilhavam,
Divinamente distantes.
Vinha da caniçada o aroma
Amolescente dos jasmins.
E havia também num canteiro perto,
Rosas que cheiravam a jambo.
Um vaga-lume abateu sobre as hortênsias
E ali ficou luzindo misteriosamente.
À parte as águas de um córrego,
Cantavam a eterna história sem começo nem fim.
Havia uma paz em tudo isso...
Era que de resto o que dizia lá dentro
O meigo adágio de Haydn.
Tudo isso era tão tranqüilo... tão simples...
E deverias dizer que foi
O teu momento mais feliz.
Divinamente distantes.
Vinha da caniçada o aroma
Amolescente dos jasmins.
E havia também num canteiro perto,
Rosas que cheiravam a jambo.
Um vaga-lume abateu sobre as hortênsias
E ali ficou luzindo misteriosamente.
À parte as águas de um córrego,
Cantavam a eterna história sem começo nem fim.
Havia uma paz em tudo isso...
Era que de resto o que dizia lá dentro
O meigo adágio de Haydn.
Tudo isso era tão tranqüilo... tão simples...
E deverias dizer que foi
O teu momento mais feliz.
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HAIKAI - Marba Furtado
A cada minuto
o mundo muda de cor
— é fim de tarde
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Poema - Manoel de barros
A poesia está guardada nas palavras
- é tudo o que eu sei.
Meu fado é de não entender quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não cultivo conexões com o real.
Para mim poderoso não é aquele
que descobre ouro.
Poderoso para mim é aquele que
descobre as insignificâncias: do mundo e as nossas.
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.
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Manoel de Barros
Rio na Sombra - Cecília Meireles
Som
frio.
Rio
sombrio.
O longo som
do rio
frio.
O frio
bom
do longo rio.
Tão longe,
tão bom,
tão frio,
o claro som
do rio
sombrio!
frio.
Rio
sombrio.
O longo som
do rio
frio.
O frio
bom
do longo rio.
Tão longe,
tão bom,
tão frio,
o claro som
do rio
sombrio!
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Entre o sono e o sonho - Fernando Pessoa
Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.
Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.
E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.
Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.
E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.
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