HAIKAI - Yeda Prates Bernis



Cai da folha
a gota dágua. Lá longe,
o oceano aguarda.

Matinal - Henriqueta Lisboa

Acorda de madrugada
em lugarejo distante
uma voz terna e confiada:
– Deus é grande.

Nasce das escuras pedras
uma fita de água voante
em que o arco-íris se reflete
– Deus é grande.

As águas límpidas jorram
de banquetas espelhantes:
num desperdício de jóias.
– Deus é grande.

São cabritos, vêm aos saltos
esses meninos ao banho
Como está cheia a cascata!
– Deus é grande.

HAIKAI - Rogério Martins

a aurora
estende a rede de bruma
pelos vales

Viver - Mário Quintana



Quem nunca quis morrer
Não sabe o que é viver
Não sabe que viver é abrir uma janela
E pássaros pássaros sairão por ela
E hipocampos fosforescentes
Medusas translúcidas
Radiadas
Estrelas-do-mar... Ah,
Viver é sair de repente
Do fundo do mar
E voar...
e voar,
cada vez para mais alto
Como depois de se morrer!

HAIKAI - Setsuko Oyakawa



Nuvem vaidosa
Pra se despedir do sol
Se vestiu de rosa.

Viola caipira no sítio Vista Alegre - Ribeiro Couto

A casa de palha
À beira do rio.

A noite se orvalha
De estrelas remotas.
É noite de frio,
Geada nas grotas,
Café no fogão.

Café, aguardente
E fumo de rolo
Picado na mão.

Viola plangente...
Lá fora o monjolo
Batendo no chão.

Bem-querer ingrato
Que a negra candonga
Deixou no mulato.

Noite longa, longa,
A noite do mato.

Os Saltimbancos

Jardim - Henriqueta Lisboa

_Menina faceira
de laço de fita
não vás tão bonita
sozinha ao jardim.
Se pensar Beija-Flor
que teu laço é flor,
pelos ares levará
um anel dos teus cabelos.

_Mamãe, não tenha cuidado,
eu sei dar laço bem dado.

_Menina trigueira
de faces vermelhas
no jardim sem teu irmão
não fiques, não.
Se Beija-Flor imagina
que teu rosto é flor,
menina, minha menina,
de certo um beijo te dá.

_Quando ele me der um beijo,
nas minhas mãos estará.

Carta aos mortos - Affonso Romano de Sant’Anna

Amigos, nada mudou
em essência.

Os salários mal dão para os gastos,
as guerras não terminaram
e há vírus novos e terríveis,
embora o avanço da medicina.
Volta e meia um vizinho tomba morto
por questão de amor.
Há filmes interessantes, é verdade,
e como sempre, mulheres portentosas
nos seduzem com suas bocas e pernas,
mas em matéria de amor
não inventamos nenhuma posição nova.
Alguns cosmonautas ficam no espaço
seis meses ou mais, testando a engrenagem
e a solidão.
Em cada olimpíada há recordes previstos
e nos países, avanços e recuos sociais.
Mas nenhum pássaro mudou seu canto
com a modernidade.

Reencenamos as mesmas tragédias gregas,
relemos o Quixote, e a primavera
chega pontualmente cada ano.

Alguns hábitos, rios e florestas
se perderam.
Ninguém mais coloca cadeiras na calçada
ou toma a fresca da tarde,
mas temos máquinas velocíssimas
que nos dispensam de pensar.

Sobre o desaparecimento dos dinossauros
e a formação das galáxias
não avançamos nada.
Roupas vão e voltam com as modas.
Governos fortes caem, outros se levantam,
países se dividem e as formigas e abelhas continuam
fiéis ao seu trabalho.

Nada mudou em essência.

Cantamos parabéns nas festas,
discutimos futebol na esquina
morremos em estúpidos desastres
e volta e meia
um de nós olha o céu quando estrelado
com o mesmo pasmo das cavernas.
E cada geração , insolente,
continua a achar
que vive no ápice da história.

Ultimatum - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Mandado de despejo aos mandarins do mundo:
Fora tu reles esnobe plebeu
E fora tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade e tu,
da juba socialista, e tu qualquer outro.

Ultimatum a todos eles e a todos que sejam como eles todos.

Monte de tijolos com pretensões a casa
Inútil luxo, megalomania triunfante
E tu Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral
que nem te queria descobrir.

Ultimatum a vós que confundes o humano com o popular.

Que confundes tudo!
Vós anarquistas deveras sinceros
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores
para quererem deixar de trabalhar.

Sim, todos vos que representais o mundo,
homens altos passai por baixo do meu desprezo
Passai, aristocratas de tanga de ouro,
Passai frouxos
Passai radicais do pouco!

Quem acredita neles?

Mandem tudo isso para casa, descascar batatas simbólicas
Fechem-me isso a chave e coloquem a chave fora.
Sufoco de ter só isso a minha volta.

Deixem-me respirar!

Abram todas as janelas
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo.

Nenhuma idéia grande,
nenhuma corrente política que soe a uma idéia grão!

E o mundo quer a inteligência nova
O mundo tem sede de que se crie
O que aí está a apodrecer a vida,
quando muito, é estrume para o futuro.
O que aí está não pode durar porque não é nada.

Eu, da raça dos navegadores, afirmo que não pode durar!
Eu, da raça dos descobridores,
desprezo o que seja menos que descobrir o mundo novo.

Proclamo isso bem alto, braços erguidos, fitando o Atlântico
e saudando abstratamente o infinito.

Olhar - Ferreira Gullar

O que eu vejo
me atravessa

como ao ar
a ave

o que eu vejo passa
através de mim
quase fica
atrás de mim

o que eu vejo
– a montanha por exemplo
banhada de sol –
me ocupa
e sou apenas
essa rude pedra iluminada
ou quase
se não fora
saber que a vejo.

HAIKAI - Yeda Prates Bernis

Imóvel,
o barco.
No entanto, viaja.

Imagine - John Lennon

Imagine - John Lennon

Imagine que não há paraíso
É fácil se você tentar
Nenhum inferno abaixo de nós
Acima de nós apenas o céu
Imagine todas as pessoas
Vivendo para o hoje

Imagine não existir países
Não é difícil de fazê-lo
Nada pelo que matar ou morrer
E nenhuma religião também
Imagine todas as pessoas
Vivendo a vida em paz

Você pode dizer
Que eu sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Espero que um dia
você se junte a nós
E o mundo, então, será como um só

Imagine não existir posses
Me pergunto se você consegue
Sem necessidade de ganância ou fome
Uma irmandade de homens
Imagine todas as pessoas
Compartilhando todo o mundo

Você pode dizer
Que eu sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Espero que um dia
Você se juntará a nós
E o mundo, então, será como um só.

Magnólia - Miguel Torga

Uma flor.
Uma cor
Acordada.
Uma vida feliz
Que o diz
Numa voz perfumada.

Quase nada - Eugénio de Andrade



O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.

Solidão - Henriqueta Lisboa

Um homem na solidão
– que perene solilóquio! –
fala profundo a si próprio.

Fala a Deus em termos claros
a fluírem das mesmas águas
pela eternidade em curso.

Fala com tremor na voz
para que relvas e musgos
a palavra testemunhem.

Fala com os ventos diversos
para que a mensagem levem
aos ouvidos do horizonte.

Fala com o penhor das rochas
para que as estrelas o ouçam
desde a pedra em que se assenta:

“Da pedra da solidão
hei de levantar um templo.”

Poema - Emílio Moura



Já não olhamos para o alto,
nem para baixo.
Vivemos sob a terra, almas subterrâneas, vozes sem eco.

Entretanto existes.
Sentimos que existes, mas é inútil,
e, insensíveis, nos calamos.
Já não temos braços, nem pernas.
Já perdemos a graça de compreender o que nos poria de novo,
sob o Teu signo.
Mergulhados no tempo, em vão queremos descobrir onde nos
abandonaste.
Estrela solitária, navegas num céu indecifrável que ninguém
atinge.
Só os poetas Te reconhecem.
Só as crianças é que ainda Te procuram como se tivessem asas.
A eternidade Te revelou quando ainda não havia noite.
A eternidade Te conservará até que a última noite desapareça.