HAIKAI - Teruko Oda

Florada de ipês!
Meu pai também se alegrava
Em tarde como esta...

Vai alta no céu - Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

Vai alta no céu a lua da Primavera
Penso em ti e dentro de mim estou completo.

Corre pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira.
Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz.

Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelo campo,
E eu andarei contigo pelos campos ver-te colher flores.
Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,
Pois quando vieres amanhã e andares comigo no campo a colher flores,
Isso será uma alegria e uma verdade para mim.

Garça na Pedra - Roseana Murray



A garça se equilibra
entre a Terra e o céu:
imóvel na pedra,
com sua leveza
sustenta o mundo.

Destino de Poeta - Octavio Paz



Palavras? Sim. De ar
e perdidas no ar.
Deixa que eu me perca entre palavras,
deixa que eu seja o ar entre esses lábios,
um sopro erramundo sem contornos,
breve aroma que no ar se desvanece.
Também a luz em si mesma se perde.

Cântico XXVI - Cecília Meireles


O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste breve,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor...

Paulinho da Viola - Filosofia

Prelúdio - Cecília Meireles



Que tempo seria,
ó sangue, ó flor,
em que se amaria
de amor!

Pérolas de espuma,
de espuma e sal.
Nunca mais nenhuma
igual.

Era mar e lua:
minha voz, mar.
Mas a tua... a tua,
– luar!

Coroa divina
que a própria luz
nunca mais tão fina
produz.

Que tempo seria,
ó sangue, ó flor,
em que se amaria
de amor!

Blade Runner Waltz - Paulo Leminski



Em mil novecentos e oitenta e sempre,
ah, que tempos aqueles,
dançamos ao luar, ao sol da valsa
A Perfeição do Amor Através da Dor e da Renúncia,
nome, confesso, um pouco longo,
mas os tempos, aquele tempo,
ah, não se faz mais tempo
como antigamente.

Aquilo sim é que eram horas,
dias enormes, semanas anos, minutos milênios,
e toda aquela fortuna em tempo
a gente gastava em bobagens,
amar, sonhar, dançar ao som da valsa,
aquelas falsas valsas de tão imenso nome lento
que a gente dançava em algum setembro
daqueles mil novecentos e oitenta e sempre.

Fim de Outono - Fernanda de Castro

Fim de outono... Folhas mortas...
Sol doente... Nostalgia...

Tudo seco pelas hortas,
Grandes lágrimas no chão
Nem uma flor pelos montes,
Tudo numa quietação
Soluça numa oração
O triste cantar das fontes.

Fim de outono... Folhas mortas...
Sol doente... Nostalgia...

A terra fechou as portas
Aos beijos do sol ardente,
E agora está na agonia...
Valha à terra agonizante
A Santa Virgem Maria!

Fim de Outono... Folhas mortas...
Sol doente... Nostalgia

Meus oito anos - Cassiano Ricardo

No tempo de pequenino
eu tinha medo da cuca
velhinha de óculos pretos
que morava atrás da porta. . .
Um gato a dizer corrumiau
de noite na casa escura. . .
De manhã, por travessura,
pica-pau, pau-pau.

Quando eu era pequenino
fazia bolotas de barro,
que punha ao sol pra secar.
Cada bolota daquela,
dura, redonda, amarela,
jogada com o meu certeiro
bodoque de guatambu
matava canário, rolinha,
matava inambu.

Quando eu era pequenino
vivia armando arapuca
pra caçar "vira" e urutau.
Mas de noite vinha a cuca
com o seu gato corrumiau. . .
Como este menino é mau!

Rolinha caiu no laço. . .
Ia contar, não conto não.
Como batia o coração
daquele verde sanhaço
na palma da minha mão!

Ah! se eu pudesse, algum dia,
caçar a vida num poema,
em seu minuto de dor
ou de alegria suprema,
que bom que pra mim seria
ter a vida em minha mão
pererecando de susto
como um sanhaço qualquer
na grade de um alçapão!

Mas. . . de noite vinha a cuca
(e por sinal que a noite parecia uma arapuca
com grandes pássaros de estrelas)
vinha com o gato corrumiau:
menino mau, menino mau,
meninomaumeninomau.




Na minha imaginação
ficou pra sempre o pica-pau.

Pica-pau batendo o bico
numa casca de pau.
Pica-pau, pau-pau.

Corrumiau miando de noite. . .
Corrumiau, miau-miau.

O rosto da chuva - Ruy Espinheira Filho



Esse rosto na chuva
te olha.
É uma chuva longa, uma
de muitos anos e viagens
correndo por esse rosto.

Densa como sangue, chove.
No rosto, outros rostos
cintilam,
gotas esparsas.
Assim casas, cidades, nomes,
Animais,
marés do peito abismo.

Esse rosto na chuva
te reflete
com o que a vinda,
vida,
te doou e às vezes inscreveu
tão fundo que lá não desces.

Esse rosto
na chuva que circula
em tuas veias
te punge com mil irresgatáveis
e
áspero cresce
sob a pele suave do teu rosto.

Pingos de chuva - Adolfo Casais Monteiro


Caem,
Gordas, sonoras,
Monótonas pingas de chuva,
- Espaçadas -
E indolentes
Vão marcando uma toada:
Ping pang - ping pang,
As pingas
De chuva do Outono pardo.
Espapaçada
A terra mole absorve
As vagas de chuva densa
Que lenta vai caindo,
Em pingas grossas, sonoras.
E ao cair,
A chuva bate o compasso
Com o som dum contrabasso...
Ping...
Pang...
Ping...
Pang…

João Bosco - Jade

Yeda Prates Bernis


Cai da folha
a gota dágua. Lá longe,
o oceano aguarda.

Branca noite de luar - Abgar Renault


Mal o dia se esgueira e foge entre as árvores do crepúsculo,
insinuam-se os seus finais entre as dúvidas do nascer da noite.
Pára o rio e sua viagem. Cessam as águas a sua voz.
Cantos de pássaros interrompem-se e tombam nos ouvidos da solidão.
Póstumos bois adormecem no relvado as suas sombras,
e um gesto final do ocaso conduz a ovelha derradeira.
Entre os rebanhos recolhidos recolheu-se a tarde
e, enquanto as distâncias se estiram brancamente,
lúcido vinho vai a terra embebedando:
o chão é claro sonho e firmamento.
Verte o céu a sua azul antiguidade
sobre as formas, as ausências e os corações dos homens,
e a lua vai abrindo em leve solo nas alturas
imaginativas ruas de silêncio, de outrora,
de alva tristeza e amoroso pensamento.



Entre partir e ficar - Octavio Paz


Entre partir e ficar hesita o dia,
enamorado de sua transparência.

A tarde circular é uma baía:
em seu quieto vai e vem se move o mundo.

Tudo é visível e tudo é ilusório,
tudo está perto e tudo é intocável.

Os papéis, o livro, o vaso, o lápis
repousam à sombra de seus nomes.

Pulsar do tempo que em minha têmpora repete
a mesma e insistente sílaba de sangue.

A luz faz do muro indiferente
Um espectral teatro de reflexos.

No centro de um olho me descubro;
Não me vê, não me vejo em seu olhar.

Dissipa-se o instante. Sem mover-me,
eu permaneço e parto: sou uma pausa

O lago e a lua - Roseana Murray



Na pele da água
do lago
onde a noite flutua
como um barco,
a lua é tatuagem
de prata.

Se balança a lua
feito um gato,
equilibrada num fio
de vento.

Vai e vem
vem e vai
cai não cai...

a lua no firmamento.

O cisne - Rainer Maria Rilke



Este cansaço de passar como que atado
a coisas que ainda não foram feitas,
parece o caminho incriado do cisne.

E o morrer, esse desapegar-se
do fundo em que diariamente estamos,
seu tímido abandonar-se às águas

que mansamente o acolhem e por serem
felizes e já passadas, onda a onda,
sob seu corpo se retraem;

então, firme e tranquilo,
com realeza e crescente segurança,
abandona-se o cisne ao deslizar.

Infância - Cecília Meireles



Levaram as grades da varanda
Por onde a casa se avistava.
As grades de prata.

Levaram a sombra dos limoeiros
Por onde rodavam arcos de música
E formigas ruivas.

Levaram a casa de telhado verde
Com suas grutas de conchas
E vidraças de flores foscas.

Levaram a dama e o seu velho piano
Que tocava, tocava, tocava
A pálida sonata.

Levaram as pálpebras dos antigos sonhos,
Deixaram somente a memória
E as lágrimas de agora.

O Sino - Cleonice Rainho

Os braços longos
nas longas cordas,
a torre e o bronze
os sons do sino.

Cresce a capelinha,
o cruzeiro se eleva,
mais puro e santo
aos sons do sino.

Em pleno dia
de luz e brilhos
badaladas de sol
os sons do sino.

Dormem as plantas,
animais se recolhem
na tarde de sombras
aos sons do sino.

Também me recolho
bem dentro de mim,
guardando a melodia
dos sons do sino.

E minha alma em paz
é uma colina azul,
paisagem do céu
pelos sons do sino.