Ele sumiu no silêncio da existência
Sua mãe gritou como se quisesse explodir o mundo.
Fios de linha podre entrelaçam miséria e morte.
Meu olhar verde-oculto a tudo assiste
pelo espelho da escuridão da infância,
Nas mãos carrego sementes
E o meu amor se enfeita toda vez que a dor é infinita.
A casa - Cacaso
Na minha infância quando chovia
batia sobre o telhado
uma pancada macia.
A noite vinha de fora
e dentro de casa caía.
Meu olho esquerdo dormia
enquanto o outro velava,
havia portas rangendo,
lá fora o vento miava.
No fundo da noite a casa
parece que navegava.
Meu coração passeava
por uma sala sombria
por este lado se entrava
por este outro se olhava
e por nenhum se saía.
Na minha infância quando chovia
batia sobre o meu peito
uma suave agonia.
A noite vinha de longe
e dentro da gente caía.
Meu pai que sempre saía
numa viagem calada
havia vozes chamando
na boca da madrugada.
No fundo da noite a casa
parece que despertava
assombração que passava
no sopro da ventania,
por este lado se entrava
por este outro se olhava
e por nenhum se saía.
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Cacaso
Faze de mim o sentinela de teus longes - Rainer Maria Rilke
Faze de mim o sentinela de teus longes,
faze de mim o ouvidor do rochedo;
dá-me que os olhos meus eu arregale
por sobre a solitude de teus mares;
deixa-me ser o leito de teus rios,
infenso ao grito de qualquer das margens,
bem longe, para além do som das noites!
Dança-me por tuas vazias terras
pelas quais os mais largos ventos passam
e onde claustros, como muros enormes,
encerram tantas vidas nao vividas.
Lá ficarei eu entre os peregrinos,
das vozes e das atitudes deles
isolado não mais por mentira nenhuma
e atrás de idosos cegos
seguindo a senda que nenhum conhece.
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Rainer Maria Rilke
Campos verdes - Cecília Meireles
Sobre o campo verde,
ondas de prata.
Andava-se, andava-se. . .
Sobre o verde campo,
sempre outras águas.
Sobre o campo verde,
paciente barco.
Errava-se, errava-se. . .
Sobre o verde campo,
Sempre outro espaço.
Sobre o campo verde,
todas as cartas.
Armava-se, armava-se. . .
Sobre o verde campo,
sempre o ás de espadas.
Sobre o campo verde,
qualquer palavra.
Olhava-se, olhava-se. . .
Ai! sobre o verde campo,
mais nada.
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Cecília Meireles
O descobridor - Mário Quintana
Vem vindo o Abril, tão belo em sua
barca de ouro!
Vou contando os teus dedos:
um...dois...três...quatro...
Cinco!
Amor, eu quero navegar-te!...toda,
de norte a sul...Enquanto
Sentado à proa
Vestido de arlequim
Abril ponteia bem devagarinho
Com um dedo só - seu bandolim
azul.
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Mário Quintana
Canção - Cecília Meireles
Quero um dia para chorar.
Mas a vida vai tão depressa!
– e é preciso deixar contida
a tristeza, para que a vida,
que acaba quando mal começa,
tenha tempo de se acabar.
Não quero amor, não quero amar...
Não quero nenhuma promessa
nem mesmo para ser cumprida.
Não quero a esperança partida,
nem nada de quanto regressa.
Quero um dia para chorar.
Quero um dia para chorar.
Dia de desprender-me dessa
aventura mal-entendida
sobre os espelhos sem saída
em que jaz minha face impressa.
Chorar sem protesto. Chorar.
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Relógio - Oswald de Andrade
As coisas vão
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas
Vão e vêm
Não em vão
As horas
Vão e vêm
Não em vão
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Abracemos a noite - Cecília Meireles
Que chega do abismo,
Instruída e calada.
Em seu peito de treva
Descansemos a alma
Tão desesperada
Contemplemos a noite
Vestida de sombra,
De tempo adornada.
Tão maternal e estranha,
Tão simples, tão deusa,
Fácil e inviolada,
Que a varanda remota
De um negro horizonte
Prolonga, admirada.
Abracemos a noite
Que tece e destece
A frágil escada.
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Não Digas Nada! - Fernando Pessoa
Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer.
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.
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A menina - Ezra Pound
A árvore penetrou minhas mãos,
A seiva ascendeu pelos meus braços,
A árvore cresceu-me no peito-
Para baixo,
Os ramos crescem fora de mim, como braços.
Árvore és tu,
Musgo és tu,
Tu és violetas com o vento acima delas.
Uma criança – tão alta – és tu,
E tudo isso é loucura para o mundo.
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Poema XXXIV - James Joyce
Durma agora, durma agora
fala meu inquieto coração
a voz chora: "durma agora"
É se faz ouvir no meu coração.
A voz do vento
se ouve na porta
Oh durma, para esperar a primavera
que está chorando: "Durma agora".
Meu beijo trará a paz
E aquietará o coração
Durma agora em paz.
Oh inquieto coração.
Tradução Eric Ponty
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Um Homem com uma dor - Paulo Leminski
Um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante
carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha
ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra.
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Paulo Leminski
Pelo sonho é que vamos - Sebastião da Gama
Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
- Partimos. Vamos. Somos.
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Sebastião da Gama
Ocaso - Helena Figueiredo
Os passos da tarde saltam as pedras.
o cinzento oblíquo das sombras...
Na cortina rendada,
a santidade de uma ténue luz,
pontos acabados de bordar,
vozes de criança e passarada,
retalhos de oiro,
num castelo de soufflé.
Alguns anjos verdes, na orla do muro.
Depois,
o cerrar dos olhos,
sorver o momento…
O quadro explodirá para sempre,
no riso do mar.
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Helena Figueiredo
Estou sentado sobre a minha mala - Mário Quintana
Estou sentado sobre a minha mala
No velho bergantim desmantelado...
Quanto tempo, meu Deus, malbaratado
Em tanta inútil, misteriosa escala!
Joguei a minha bússola quebrada
Às águas fundas... E afinal sem norte,
Como o velho Sindbad de alma cansada
Eu nada mais desejo, nem a morte...
Delícia de ficar deitado ao fundo
Do barco, a vos olhar, velas paradas!
Se em toda parte é sempre o Fim do Mundo
Pra que partir? Sempre se chega, enfim...
Pra que seguir empós das alvoradas
Se, por si mesmas, elas vêm a mim?
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O Desvendado - Adalgisa Nery
O que há além dos veleiros perdidos no silêncio das esperas,
Além do azul parado atrás do horizonte?
O que há atrás de cada impulso, de cada gesto cortado,
Além do que existe e não sabemos procurar?
O que há além da ternura
Acomodada na procura incerta do prazer,
Na aceitação que vem pelo cansaço e o desamor?
O que há além de cada mundo que somos?
O que há além da imensidão dos vazios
Multiplicados na orla de cada minuto?
Exílio alargando-se na vida para o termo da morte.
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Gênese - Emílio Moura
Há sempre uma hora,
uma hora densa,
uma hora inesperada,
em que a paisagem mais inocente
tem o fulgor de um fiat.
O tempo sonha que é espaço,
o espaço sonha que é tempo,
a realidade se compenetra de sua irrealidade.
O homem repensa o mundo.
O mundo se recompõe em sua nostalgia de Deus.
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