Vento, água, pedra - Octavio Paz
A água perfura a pedra,
o vento dispersa a água,
a pedra detém ao vento.
Água, vento, pedra.
O vento esculpe a pedra,
a pedra é taça da água,
a água escapa e é vento.
Pedra, vento, água.
O vento em seus giros canta,
a água ao andar murmura,
a pedra imóvel se cala.
Vento, água, pedra.
Um é outro e é nenhum:
entre seus nomes vazios
passam e se desvanecem.
Água, pedra, vento.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Octavio Paz
Meu desejo - Betânia Uchôa
Eu queria ser um pássaro cheio de porte
Com olhar profundo e penas imensas!
Eu queria ser uma música, bela e extensa,
A sair embalando corações, lírica e forte!
Eu queria ser uma flecha, certeira e densa
Acertando corações, lhe dando amor e sorte!
Eu queria amar de forma livre e intensa
Um amor único que nos leve até a morte!
Que varra para bem longe a dor e a tristeza...
Que palpita o peito diante de tanta beleza,
E que não haja um mortal que o desmente!
Que me traga sempre essa vontade todo dia,
De esquecer que um dia eu tive dor e agonia!
Perpetuando sempre esse amor na mente!...
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Betania Uchoa
Orfandade - Adélia Prado
"Meu Deus,
me dê cinco anos.
Me dê um pé de fedegoso com formiga preta,
me dê um Natal e sua véspera,
o ressonar das pessoas no quartinho.
Me dê a negrinha Fia pra eu brincar,
me dê uma noite pra eu dormir com minha mãe.
Me dê minha mãe, alegria sã e medo remediável,
me dê a mão, me cura de ser grande.
Ó meu Deus, meu pai,
meu pai."
me dê cinco anos.
Me dê um pé de fedegoso com formiga preta,
me dê um Natal e sua véspera,
o ressonar das pessoas no quartinho.
Me dê a negrinha Fia pra eu brincar,
me dê uma noite pra eu dormir com minha mãe.
Me dê minha mãe, alegria sã e medo remediável,
me dê a mão, me cura de ser grande.
Ó meu Deus, meu pai,
meu pai."
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Adélia Prado
Emily Dickinson
Há uma solidão no céu,
uma solidão no mar
e uma solidão na morte.
Mas fazem todas companhia
comparadas a este local profundo,
esta polar intimidade,
uma Alma que reconhece a Si mesma:
finita infinidade.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Emily Dickinson
Lugar - Cyro de Mattos
um grão no deserto
o poema é meu lugar
onde tudo arrisco.
Irriga minhas veias
como a chuva à terra
em suas mil línguas.
Antigo, bem antigo,
me anuncia no vale,
me consuma real,
viajante cativo
da solidão solidária.
Sem esse jeito
de ser flor e vento,
sonho e música,
uma coisa só amor,
não há o espanto,
a lágrima, o beijo,
o riso, o epitáfio,
não há o sentido.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Cyro de Mattos
Não sobrou nada - Hassan Najmi
não sobrou nada:
só a ferida da memória.
e o ponto de encontro
e o cheiro das folhas em livros usados.
da janela:
uma canção entoa um amor antigo.
Como se fosse escrever o livro dos mortos -
torna-se a noite no seu costume.
Como se para brincar
com uma tristeza que o acompanha -
dança sozinho na noite.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Hassan Najmi
Luz do fim - Anrique Paço D’Arcos
O vento petrificado...
Sombra e silêncio a descer,
O horizonte ensanguentado
Lembra florestas a arder.
No horizonte todo em chama,
Maré-cheia de rubim,
O rubim do sol derrama
A luz vermelha do fim ...
Sombra e silêncio a descer,
O horizonte ensanguentado
Lembra florestas a arder.
No horizonte todo em chama,
Maré-cheia de rubim,
O rubim do sol derrama
A luz vermelha do fim ...
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Anrique Paço D’Arcos
Inania verba - Olavo Bilac
Ah! quem há-de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve
- Ardes, sangras, pregada à tua cruz e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.
Quem o molde achará para a expressão de tudo
Ai! quem há-de dizer as ânsias infinitas
Do sonho e o céu que foge à mão que se levanta.
E a ira muda e o asco mudo e o desespero mudo
E as palavras de fé que nunca foram ditas
E as confissões de amor que morrem na garganta.
O que a boca não diz, o que a mão não escreve
- Ardes, sangras, pregada à tua cruz e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.
Quem o molde achará para a expressão de tudo
Ai! quem há-de dizer as ânsias infinitas
Do sonho e o céu que foge à mão que se levanta.
E a ira muda e o asco mudo e o desespero mudo
E as palavras de fé que nunca foram ditas
E as confissões de amor que morrem na garganta.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Olavo Bilac
A alegria - Miguel Reale
A alegria é uma asa
Sem o pássaro,
Uma chama que abrasa
Sem sopro.
A água corrente livre
Sem destino
Um chamado que se ouve
Sem o sino.
De repente ela chega
E é um manto estendido
Todo azul.
De repente ela some,
E é um canto disperso
Rumo ao sul.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Miguel Reale
Nos Altos Ramos - Ricardo Reis (F. Pessoa)
Nos altos ramos de árvores frondosas
O vento faz um rumor frio e alto,
Nesta floresta, em este som me perco
E sozinho medito.
Assim no mundo, acima do que sinto,
Um vento faz a vida, e a deixa, e a toma,
E nada tem sentido — nem a alma
Com que penso sozinho.
O vento faz um rumor frio e alto,
Nesta floresta, em este som me perco
E sozinho medito.
Assim no mundo, acima do que sinto,
Um vento faz a vida, e a deixa, e a toma,
E nada tem sentido — nem a alma
Com que penso sozinho.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Fernando Pessoa
Leitura - Adélia Prado
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
de escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora do seu tempo desejadas.
Ao longo do muro eram talhas de barro.
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que lá fora o mundo havia parado de calor.
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha pinga, meu vidro de café?
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Adélia Prado
Tempo das chuvas - José Eduardo Agualusa
Antes que venham as primeiras chuvas
acender
Amarelas flores entre os rochedos
E o céu se torne móvel de compridos pássaros
E todo o chão se cubra do verde novo
Do capim
Saberás pelo vento que chegaste ao fim.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
José Eduardo Agualusa
Anseios - Florbela Espanca
Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha que cais!
Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais,
Não valem o prazer duma saudade!
Tu chamas ao meu seio, negra prisão!
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbres o brilho do luar!...
Não 'stendas tuas asas para o longe...
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela, a soluçar...
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Florbela Espanca
Abismos - Leda Guerra
Ele sumiu no silêncio da existência
Sua mãe gritou como se quisesse explodir o mundo.
Fios de linha podre entrelaçam miséria e morte.
Meu olhar verde-oculto a tudo assiste
pelo espelho da escuridão da infância,
Nas mãos carrego sementes
E o meu amor se enfeita toda vez que a dor é infinita.
Sua mãe gritou como se quisesse explodir o mundo.
Fios de linha podre entrelaçam miséria e morte.
Meu olhar verde-oculto a tudo assiste
pelo espelho da escuridão da infância,
Nas mãos carrego sementes
E o meu amor se enfeita toda vez que a dor é infinita.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Leda Guerra
A casa - Cacaso
Na minha infância quando chovia
batia sobre o telhado
uma pancada macia.
A noite vinha de fora
e dentro de casa caía.
Meu olho esquerdo dormia
enquanto o outro velava,
havia portas rangendo,
lá fora o vento miava.
No fundo da noite a casa
parece que navegava.
Meu coração passeava
por uma sala sombria
por este lado se entrava
por este outro se olhava
e por nenhum se saía.
Na minha infância quando chovia
batia sobre o meu peito
uma suave agonia.
A noite vinha de longe
e dentro da gente caía.
Meu pai que sempre saía
numa viagem calada
havia vozes chamando
na boca da madrugada.
No fundo da noite a casa
parece que despertava
assombração que passava
no sopro da ventania,
por este lado se entrava
por este outro se olhava
e por nenhum se saía.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Cacaso
Faze de mim o sentinela de teus longes - Rainer Maria Rilke
Faze de mim o sentinela de teus longes,
faze de mim o ouvidor do rochedo;
dá-me que os olhos meus eu arregale
por sobre a solitude de teus mares;
deixa-me ser o leito de teus rios,
infenso ao grito de qualquer das margens,
bem longe, para além do som das noites!
Dança-me por tuas vazias terras
pelas quais os mais largos ventos passam
e onde claustros, como muros enormes,
encerram tantas vidas nao vividas.
Lá ficarei eu entre os peregrinos,
das vozes e das atitudes deles
isolado não mais por mentira nenhuma
e atrás de idosos cegos
seguindo a senda que nenhum conhece.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Rainer Maria Rilke
Campos verdes - Cecília Meireles
Sobre o campo verde,
ondas de prata.
Andava-se, andava-se. . .
Sobre o verde campo,
sempre outras águas.
Sobre o campo verde,
paciente barco.
Errava-se, errava-se. . .
Sobre o verde campo,
Sempre outro espaço.
Sobre o campo verde,
todas as cartas.
Armava-se, armava-se. . .
Sobre o verde campo,
sempre o ás de espadas.
Sobre o campo verde,
qualquer palavra.
Olhava-se, olhava-se. . .
Ai! sobre o verde campo,
mais nada.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Cecília Meireles
O descobridor - Mário Quintana
Vem vindo o Abril, tão belo em sua
barca de ouro!
Vou contando os teus dedos:
um...dois...três...quatro...
Cinco!
Amor, eu quero navegar-te!...toda,
de norte a sul...Enquanto
Sentado à proa
Vestido de arlequim
Abril ponteia bem devagarinho
Com um dedo só - seu bandolim
azul.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Mário Quintana
Assinar:
Postagens (Atom)