O Girassol / Vinícius de Moraes



Sempre que o sol
Pinta de anil
Todo o céu
O girassol
Fica um gentil
Carrossel.

O girassol é o carrossel das abelhas.

Pretas e vermelhas
Ali ficam elas
Brincando, fedelhas
Nas pétalas amarelas.

— Vamos brincar de carrossel, pessoal?

— "Roda, roda, carrossel
Roda, roda, rodador
Vai rodando, dando mel
Vai rodando, dando flor. "

— Marimbondo não pode ir que é bicho mau!

— Besouro é muito pesado!

— Borboleta tem que fingir de borboleta na
entrada!

— Dona Cigarra fica tocando seu realejo!

— "Roda, roda, carrossel
Gira, gira, girassol
Redondinho como o céu
Marelinho como o sol".

E o girassol vai girando dia afora . . .

O girassol é o carrossel das abelhas.


O Mundo do Sertão - Ariano Suassuna


Diante de mim, as malhas amarelas
 do mundo, Onça castanha e destemida.
 No campo rubro, a Asma azul da vida
 à cruz do Azul, o Mal se desmantela.

 Mas a Prata sem sol destas moedas
 perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
 e a Marca negra esquerda inesquecida
 corta a Prata das folhas e fivelas.

 E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
 que até o fim, serei desnorteado,
 que até no Pardo o cego desespera,


 o Cavalo castanho, na cornija,
 tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
 ladrando entre as Esfinges e a Pantera.



HAIKAI - Alaor Chaves


na folha orvalhada,
gota engole gota,
engorda, desliza e cai




Soneto do desmantelo azul - Carlos Pena Filho

Então, pintei de azul os meus sapatos
 por não poder de azul pintar as ruas,
 depois, vesti meus gestos insensatos
 e colori as minhas mãos e as tuas,

 Para extinguir em nós o azul ausente
 e aprisionar no azul as coisas gratas,
 enfim, nós derramamos simplesmente
 azul sobre os vestidos e as gravatas.

 E afogados em nós, nem nos lembramos
 que no excesso que havia em nosso espaço
 pudesse haver de azul também cansaço.

 E perdidos de azul nos contemplamos
 e vimos que entre nós nascia um sul
 vertiginosamente azul. Azul.


Para a hora da dor - Emily Dickinson


Água, é a sede que ensina.
Terra, a travessia do mar.
Êxtase, a agonia.
Paz, o guerrear.
Amor, o retrato eterno,
Pássaros, o inverno.


Como árvore que sou - Lília Tavares / Joaquim Pessoa

Como árvore que sou
 adormeço a sossegar as minhas folhas e
 os pássaros transparentes que se agitam nos ninhos
 da minha inquietação.
 Sei de cor os sonhos dos ventos
 que balançam este corpo tronco
 onde dedos vegetais bastam
 o rumor das seivas silenciosas. A noite
 propaga o ardor da ternura até às minhas raízes
 que vão bebendo lentamente as lágrimas de um vento azul,
 cuja dor deambula sobre as pedras, em oração à terra,
 para vir confortar-se em silêncio no mais fundo de mim.
 Escondo por dentro do nada os segmentos de estrelas
 que restaram da partida dos pólenes. Flutuam
 na quietude das noites claras onde a chama do leito
 de açúcares permanece, visível no limbo da noite.

 Demoro neste entorpecimento idealizado o termo, os
 renovados filhos da gravidez da terra
 e do incontrolado cio dos relâmpagos. Em mim
 o verde se transforma em música, essa música sem tempo,
 que lembra toda a noite da floresta, toda a serenidade
 dos lagos, toda a doçura do ventre das baías.
 Como árvore que sou, amo o vôo do pássaro e a
 lonjura da terra. E sou a terra. E sou o pássaro.
 E a raiz do amor. E a raiz da sombra. E a raiz solar
 que me erguerá até à luz que me fascina
 e me beija docemente a cabeleira lavada
 de esperança. Sou a árvore. Um rio
 de vida que sobe lentamente
 as colinas do céu.



Infância - Carlos Drummond de Andrade

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras.
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro...que fundo!


Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.


Príncipe - Ana Hatherly

Príncipe:
 Era de noite quando eu bati à tua porta
 e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
 e não me conheceste.
 Era de noite
 são mil e umas
 as noites em que bato à tua porta
 e tu vens abrir
 e não me reconheces
 porque eu jamais bato à tua porta.
 Contudo
 quando eu batia à tua porta
 e tu vieste abrir
 os teus olhos de repente
 viram-me
 pela primeira vez
 como sempre de cada vez é a primeira
 a derradeira
 instância do momento de eu surgir
 e tu veres-me.
 Era de noite quando eu bati à tua porta
 e tu vieste abrir
 e viste-me
 como um náufrago sussurrando qualquer coisa
 que ninguém compreendeu.
 Mas era de noite
 e por isso
 tu soubeste que era eu
 e vieste abrir-te
 na escuridão da tua casa.
 Ah era de noite
 e de súbito tudo era apenas
 lábios pálpebras intumescências
 cobrindo o corpo de flutuantes volteios
 de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
 Beijava os teus olhos por dentro
 beijava os teus olhos pensados
 beijava-te pensando
 e estendia a mão sobre o meu pensamento
 corria para ti
 minha praia jamais alcançada
 impossibilidade desejada
 de apenas poder pensar-te.

 São mil e umas
 as noites em que não bato à tua porta
 e vens abrir-me. 



Canto Cigano - Cecília Meireles


Seus cabelos,
Balançavam com o vento.
Ela dançava,
Dançava de dia,
Dançava de tarde,
Dançava à noite.

À noite,
Enquanto os archotes brilhavam,
E punham nela muitos fulgores,
Ela sorria e sorria...

Para quem sorria?
Para ninguém.
Bastava, para ela,
Sorrir para si mesma.

Sorria...
Sufocando o pranto,
Que lhe inundava a alma.
Porque, se ela chorasse,
Todos choravam também.


E ela tinha que sorrir,
Cantar,
Dançar.
Bailando,
Como baila o vento,
Cantando,
Como cantam as aves,
Só, tão só...

E, no entanto, dona absoluta,
De todos os olhares,
De todas as mentes,
Que estavam ali.
Cada um achando,
Que era para eles que ela sorria,
Quando, na verdade,
Ela não sorria para ninguém,
Ela sorria para si mesma.

O tempo passou...
E, no vento tão forte,
Que muda a vida,
Mudando as pessoas de lugar,
Daqui para acolá.


Um dia,
Ela deixou de dançar,
Mas não deixou de cantar.
Mesmo na solidão dos pinheiros gelados,
Fazia, com os rouxinóis,
Um dueto encantado.

O rouxinol cantava de tristeza,
Ela cantava de saudade,
De dor...

Por onde andará?
Como estará a terra dos meus amores?
Aonde estarão aqueles,
Que pisam, firme, o chão?
Aonde estará o meu povo?
Será que estão como eu...
Na solidão?


Canta, cigana,
Canta...
Deixa que o vento da vida te carregue,
Que a brisa te abrace
E que as folhas te teçam arpejos,
Nos ninhos dos pássaros.

A solidão nos faz
Aprender a viver,
Dentro de nós,
Num castelo encantado.

Onde se é possível,
Chorar sozinha
E rir, feliz,
Para todos os passantes,
Caminhantes,
Andantes de muitas terras,
De muitos sonhos,
De muitas estradas.

Deixa voar,
O seu sonho de paz,
Porque, um dia, você terá.

Não chore,
Não chore, cigana,
Cante.
Porque, mesmo sem cantar,
Você encanta.
E, Mesmo chorando,
Você sorri.

Deixa o tempo passar,
Deixa as folhas voar,
Voar...
Porque, um dia,
Paz você terá!



HAIKAI - Paulo Leminski


outubro
no teto passos pássaros
gotas de chuva




La vida es sueño - Hélio Pellegrino


A pedra
a pedra como o fogo
com suas resinas e ramas
a pedra como o fogo
é um sonho
de pálpebras abertas.

O sonho é quando
no veludo íntimo da noite
fogo e pedra se sonham:
— as pálpebras cerradas.



Encantamento - Tasso da Silveira



A tarde jogou os seus sete véus luminosos
sobre a montanha,
e ficou toda nua dançando
com sombras de crepúsculo
a escorrerem-lhe, suaves, pela pele dourada...
...e ficou toda nua dançando
na campina
ao som da harpa encantada do silêncio...



MPB4 : 40 anos de música

O Filho do Século - Murilo Mendes

Nunca mais andarei de bicicleta
Nem conversarei no portão
Com meninas de cabelos cacheados
Adeus valsa "Danúbio Azul"
Adeus tardes preguiçosas
Adeus cheiros do mundo sambas
Adeus puro amor
Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem
Não tenho forças para gritar um grande grito
Cairei no chão do século vinte
Aguardem-me lá fora
As multidões famintas justiceiras
Sujeitos com gases venenosos
É a hora das barricadas
É a hora da fuzilamento, da raiva maior
Os vivos pedem vingança
Os mortos minerais vegetais pedem vingança
É a hora do protesto geral
É a hora dos voos destruidores
É a hora das barricadas, dos fuzilamentos
Fomes desejos ânsias sonhos perdidos,
Misérias de todos os países uni-vos
Fogem a galope os anjos-aviões
Carregando o cálice da esperança
Tempo espaço firmes porque me abandonastes.




A todos e a cada um dos meus amigos - Joaquim Pessoa

Por um por todos por nenhum
faço o meu canto canto a minha mágoa
num desencanto aberto pelo gume
deste pranto tão limpo como a água.

Por nenhum por todos ou por um
eu dou o meu poema o meu tecido
de palavras gravadas com o lume
do medo que na voz trago vencido.

Por nenhum por um mesmo por todos
sou a bala e o vinho sou o mesmo
que pisa as uvas os versos e o lodo
num chão onde a coragem nasce a esmo.


Dizendo Adeus - Lya Luft

 Estou sempre dando adeus:
 também ao desencontro e ao
 desencanto.
 Estou sempre me despedindo
 do ponto de partida que me lança de si,
 do porto de chegada que nunca é
 aqui.
 Estou sempre dizendo adeus:
 até a Deus,
 para o reencontrar em outra esquina
 de adeuses.
 Estarei sempre de partida,
 até o momento de sermos deuses:
 quando me fizeres dar adeus à solidão
 e à sombra.


Para os que virão - Thiago de Mello

 Como sei pouco, e sou pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.

Já sofri o suficiente
para não enganar a ninguém:
principalmente aos que sofrem
na própria vida, a garra
da opressão, e nem sabem.

Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular - foi deixando,
devagar, sofridamente
de ser, para transformar-se
- muito mais sofridamente -
na primeira e profunda pessoa
do plural.

Não importa que doa: é tempo
de avançar de mão dada
com quem vai no mesmo rumo,
mesmo que longe ainda esteja
de aprender a conjugar
o verbo amar.

É tempo sobretudo
de deixar de ser apenas
a solitária vanguarda
de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro.
( Dura no peito, arde a límpida
verdade dos nossos erros )
Se trata de abrir o rumo.

Os que virão, serão povo,
e saber serão, lutando.



Para a manhã - Miguel Torga

Rosa acordada, que sonhaste?
Nas pálpebras molhadas vê-se ainda
Que choraste...

Foi algum pesadelo?
Algum presságio triste?
Ou disse-te algum deus que não existe
Eternidade?

Acordaste e és bela:
Vive!
O sol enxugará esse teu pranto
Passado.

Nega o presságio com perfume e encanto!
Faz o dia perfeito e acabado!