Roteiro do silêncio - Hilda Hilst
Não há silêncio bastante
Para o meu silêncio.
Nas prisões e nos conventos
Nas igrejas e na noite
Não há silêncio bastante
Para o meu silêncio
Os amantes no quarto.
Os ratos no muro.
A menina
Nos longos corredores do colégio.
Todos os cães perdidos
Pelos quais tenho sofrido:
O meu silêncio é maior
Que toda solidão
E que todo silêncio.
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Hilda Hilst
Canção breve - Eugénio de Andrade
Tudo me prende à terra
onde me dei:
o rio subitamente
adolescente,
a luz tropeçando nas
esquinas,
as areias onde ardi
impaciente.
Tudo me prende do
mesmo triste amor
que há em saber que a
vida pouco dura,
e nela ponho a
esperança e o calor
de uns dedos com
restos de ternura.
Dizem que há outros
céus e outras luas
e outros olhos densos
de alegria,
mas eu sou destas
casas, destas ruas,
deste amor a escorrer
melancolia.
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Eugénio de Andrade
Ao Tempo - Dante Milano
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,
Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida
A um tempo aproximando e distanciando…
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando
Tempo, vais para diante ou para trás?
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Dante Milano
Morte morreu - Adélia Prado
Quando o ano acinzenta-se em
agosto
e chove sobre árvores
que mesmo antes das chuvas já
reverdeceram,
da mesma estação levantam-se
nossos queridos
e os passarinhos que ainda
vão nascer.
“Ó morte, onde está tua
vitória?”
Eh tempo bom, diz meu pai.
A mãe acalma-se,
tomam-se as providências
sensatas.
Todos pra janela, espiar as
goteiras:
"Chuva choveu, goteira
pingou
Pergunta o papudo se o papo
molhou".
Pergunta a menina se a vida
acabou.
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Adélia Prado
Gaita de lata - Cecília Meireles
Se o amor ainda medrasse,
aqui ficava contigo,
pois gosto da tua
face,
desse teu riso de
fonte,
e do teu olhar antigo
de estrela sem
horizonte.
Como, porém, já não
medra,
cada um com a sorte
sua!
(Não nascem lírios de
lua
pelos corações de
pedra...)
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Cecília Meireles
Bailado - Nádia Dantas
O bailado das chamas
brilha na noite
e a menina sonha com o amanhecer.
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Hilda Hilst
"De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco."
Carlos Drummond de Andrade
O que ficou de mim
além de eu mesma
não o sei.
Nem o digas às crianças
porque no que ficou
a palavra de amor
está partida
imperceptível sombra
de flor no ramo frágil.
Nem o diga aos homens
Era o rio
e antes do rio havia areia.
Era praia
e depois da praia havia o mar.
Era amigo
ah! e se tivesse existido
quem sabe ficava eterno.
Nada ficou de mim
além de eu mesma.
Tênue vontade de poesia
e mesmo isso
imperceptível sombra
de flor no ramo frágil.
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No descomeço era o verbo - Manoel de Barros
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo,
lá onde a criança diz:
Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe
que o verbo escutar
não funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo,
ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta,
que é a voz de fazer nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio.
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Manoel de Barros
Chuva Interior - Mário Chamie
Quando saía de casa
percebeu que a chuva
soletrava
uma palavra sem nexo
na pedra da calçada.
Não percebeu
que percebia
que a chuva que chovia
não chovia
na rua por onde
andava.
Era a chuva
que trazia
de dentro de sua casa;
era a chuva
que molhava
o seu silêncio
molhado
na pedra que carregava.
Um silêncio
feito mina,
explosivo sem palavra,
quase um fio de conversa
no seu nexo de rotina
em cada esquina
que dobrava.
Fora de casa,
seco na calçada,
percebeu que percebia
no auge de sua raiva
que a chuva não mais chovia
nas águas que imaginava.
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Mário Chamie
Os mais velhos - José Saramago
São de pedra, os mais
velhos. Ermos, sós.
O gesto hirto. As mãos
perdidas
Da remota brandura,
como pranto
Vidrado e recolhido,
água rasa:
Nada o mundo vos deu:
(sois vós, e basta).
Inocente da morte que
aceitais,
Recolho dessas mãos de
cardos secos
A herança dos nardos
imortais.
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José Saramago
A dor tem um elemento de vazio - Emily Dickinson
A dor - tem um elemento de vazio -
Não se consegue lembrar
De quando começou - ou se houve
Um tempo em que não existiu -
Não tem futuro - para lá de si própria -
O seu infinito contém
O seu passado - iluminado para aperceber
Novas épocas - de dor.
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A ilha - Mia Couto
Passei a noite
sem respirar.
Tu eras o meu
mar,
meu mar,
meu tempo, minha
colheita.
O quarto recolheu
a noite
como um pastor,
em silêncio,
convoca os seus
bichos.
Quando a luz
floriu
eu me ceguei de
encontro à janela.
E, assim, cego
retornei ao teu
ventre
como búzio
espirilando o
infinito
na sua própria
concha.
Não me chega o
corpo que sou.
Resta-me
o desenho da lua
na tua pupila.
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Mia Couto
Agenda - Miguel Torga
Folheio a vida
Num calendário velho.
Dias riscados, como
contas pagas.
Domingos de repouso,
Segundas de trabalho
Sábados de cansaço,
Sem nenhum sentido.
No abismo do nada,
O nada, apenas.
Quem sofreu nestas
páginas vazias,
Tão frias,
Tão serenas?
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Miguel Torga
Cecília Meireles
Em colcha florida
me deitei.
Pássaros pintados
escutei.
Grinaldas nos ares
completei.
Da morte e da vida
me lembrei.
Dias acabados
lamentei.
(Flores singulares
não bordei.
A canção trazida
não cantei.
Naveguei tormentas pelos
quatro lados.
Não as amansei!
Ó grinaldas, flores, pássaros
pintados,
como dormirei?)
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Canção - Tasso da Silveira
O país que procuras
fica além da distância.
Talvez teu passo não o atinja
mesmo se caminhares
toda a tarde do mundo.
O país que procuras
é longe.
Existe à beira dos profundos
mananciais
de genesíaco frescor.
Banha-se na clara névoa das
origens,
na pura luz da infinita
inocência.
Talvez teu passo não lhe
atinja
a perdida fronteira,
mesmo se caminhares,
caminhares
ininterruptamente
toda a noite da Vida...
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