Cidade - Sophia de Mello B. Andresen

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.

Eu não o tinha olhado - Pablo Neruda


Eu não o tinha olhado e nossos passos
soavam juntos.

Nunca escutei sua voz e minha voz ia
enchendo o mundo.

Houve um dia de sol e minha alegria
em mim não coube.

Senti a angústia de carregar a nova
solidão do crepúsculo.

Senti-o junto a mim, braços ardendo,
limpo, sangrante, puro.

Dentro da noite negra a minha dor
entrou no coração.

E vamos juntos.

Introspecção - Vinícius de Moraes

Nuvens lentas passavam
Quando eu olhei o céu.
Eu senti na minha alma a dor do céu
Que nunca poderá ser sempre calmo.
Quando eu olhei a árvore perdida
Não vi ninhos nem pássaros.
Eu senti na minha alma a dor da árvore
Esgalhada e sozinha
Sem pássaros cantando nos seus ninhos.

Quando eu olhei minha alma
Vi a treva.
Eu senti no céu e na árvore perdida
A dor da treva que vive na minha alma.

Strauss - Kathleen Battle - Frühlingsstimmen - Voices of Spring

Ignoto Deo - José Régio



Desisti de saber qual é o Teu nome,
Se tens ou não tens nome que Te demos,
Ou que rosto é que toma, se algum tome,
Teu sopro tão além de quanto vemos.
Desisti de Te amar, por mais que a fome
Do Teu amor nos seja o mais que temos,
E empenhei-me em domar, nem que os não dome,
Meus, por Ti, passionais e vãos extremos.


Chamar-Te amante ou pai... grotesco engano
Que por demais tresanda a gosto humano!
Grotesco engano o dar-te forma! E enfim,
Desisti de Te achar no quer que seja,
De Te dar nome, rosto, culto, ou igreja...
– Tu é que não desistirás de mim!

Gladiator theme - Now We Are Free - Lisa Gerrard

Sonoridade


Meus ouvidos pousam na noite dormente como aves calmas
Há iluminações no céu se desfazendo...
O grilo é um coração pulsando no sono do espaço
E as folhas farfalham um murmúrio de coisas passadas
Devagarinho…

Em árvores longínquas pássaros sonâmbulos pipilam
E águas desconhecidas escorrem sussurros brancos na treva.
Na escuta meus olhos se fecham, meus lábios se oprimem
Tudo em mim é o instante de percepção de todas as vibrações.
Pela reta invisível os galos são vigilantes que gritam sossego
Mais forte, mais fraco, mais brando, mais longe, sumindo
Voltando, mais longe, mais brando, mais fraco, mais forte.
Batidos distantes de passos caminham no escuro sem almas
Amantes que voltam...

Pouco a pouco todos os ruídos se vão penetrando como dedos
E a noite ora.
Eu ouço a estranha ladainha
E ponho os olhos no alto, sonolento.
Um vento leve começa a descer como um sopro de bênção
Ora pro nobis...


Os primeiros perfumes ascendem da terra
Como emanações de calor de um corpo jovem.
Na treva os lírios tremem, as rosas se desfolham...
O silêncio sopra sono pelo vento
Tudo se dilata um momento e se enlanguesce
E dorme.
Eu vou me desprendendo de mansinho...

A noite dorme.

Gorjeios para um bem-te-vi - Ilka Brunhilde Laurito

Mal amanheço
e já me viste?...
— Bem-te-vi!
Saíste do sonho
em que eu jazia
ovo, ave e ninho?...
— Bem-te-vi!
E o que viste
na floresta labiríntica
em que a única árvore vsível
é a de enigmas?...
Cantas para o sol
de graça,
pássaro altruísta?...
Eu,
eu pago o meu direito à voz.
e cobram-me:
a água,
a luz,
o ninho,
o alpiste.
Ai, bem-me-viste:
gorjeios meus
saem caríssimos.
Eu te abençôo,
irmão passarinho,
com as mãos franciscas
no espalmar das minhas:

— Bem-vistos sejam
os que só veem
o que não é visto.

Tu não és o sabiá
que inspirou Golçalves Dias.
Nem estou em outros mares
a entoar canções de exílio.

— Bem-te-vi!
O meu chão não é lá: é aqui.
Mas teu grito me anuncia
essa terra que tu viste
e que eu não vi,
de que sou expatriada.
— Bem-te-vi,
ah, que saudade!
Eu, também,
pássaro ativo,
me cumpro o dia-a-dia
sobre este aplainado tronco
de exaurida seiva
a que o lavor chama de mesa
e onde canto! CANTO!
o que bem ou mal
eu vejo.
Muito mais:
o que não vejo,
bem-te-vi.
Teu olho está no bico?...
O meu, nos dedos:
são eles que percorrerm
as nervuras sensíveis
dos silêncios tangíveis
do meu grito:
— Bem-te-vida!

Loreena McKennitt - Tango to Evora

Eduardo Galeano

A utopia está lá no horizonte.
Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso:
para que eu não deixe de caminhar.

Vendaval - Fernando Pessoa

Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração!
Indômita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que há em mim!


Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
É o visto o que vê.
Ah, mágoa de ter consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles - teu pulso divida
Minh'alma do mundo!

Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
De eu ter que pensar!
Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque é que não entras no meu pensamento
Para ele morrer?

Horror de ser sempre com vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, é vento; do chão da existência,
De ser um lugar!

E, pela alta noite que fazes mais'scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.

E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já pária desfeito dos ares,
O meu coração!

Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!

Ubiquidade - Manuel Bandeira

Estás em tudo que penso,
Estás em quanto imagino:
Estás no horizonte imenso,
Estás no grão pequenino.

Estás na ovelha que pasce,
Estás no rio que corre:
Estás em tudo que nasce,
Estás em tudo que morre.

Em tudo estás, nem repousas,
Ó ser tão mesmo e diverso!
(Eras no início das cousas,
Serás no fim do universo.)

Estás na alma e nos sentidos.
Estás no espírito, estás
Na letra, e, os tempos cumpridos,
No céu, no céu estarás.

Vivaldi

Poema de Primavera - Alice Poltronieri

Metamorfose dos encantos
Encaixe dos sentimentos
Delicadezas se ondulam em flores
Nas asas da imaginação.
Seu sorriso, meu disfarce
Me perco no equinócio do seu florescer
Num canto bem adubado do meu coração
Outra semente germina
Pulula em vida pós-inverno
De begônias e hortênsias
Ornando meu caminhar.

Quem hibernou, involuntário
Ao saltar para a primavera
Encontra suave brisa
A refrescar a tez acalorada febrilmente.
Enfim vitória de uma semente
É primavera chegando
A esperança renascendo
O colorido tingindo
O caminho do passante
Desencasula... para a vida
Desacrisola... para a maturidade
As forças da natureza me deixam e êxtase
Momento de recomeçar
Floreça em mim a primavera de minh'alma
As lágrimas transformem-se em suave brisa
Ou num orvalho manso a regar meu coração...
Estação das flores dentro de mim,
Reaja ao inverno sequioso dos sonhos meus
E brotem novos sonhos
Novas forças,
Nova vontade de sonhar.

Caminho lentamente, mas com firmeza
Esqueço o que doeu
Apago o traço da dor
Aborto a palavra saudade
Construo ruas de felicidade
Onde dançarei a dança da paz
Com o arco-iris a brincar
Ao vento vão os pensamentos
Novos sonhos, novos alentos
O tempo... ah, o tempo! Meu íntimo confidente,
A primavera me trouxe.

Um dia novo está surgindo
Um sonho novo me envolve
Vida nova...
Saúde...
Paz...
Enfim, a primavera me beija a face.

A mansidão - Pablo Neruda


A mansidão eu amo e sempre que entro
pelos ermos umbrais da escuridão
abro os olhos para enchê-los
da doçura dessa paz.

A mansidão eu amo sobre todas
as coisas deste mundo.

Na quietude das coisas eu descubro
um canto enorme e mudo.
E quando elevo os olhos para o céu
no estremecer das nuvens eu encontro,
na ave que cruza o espaço e até no vento
a doçura que flui da mansidão.

Improviso - Cecília Meireles


A lua nos nossos ombros
E a sombra que não se encontra
Despedaçada no chão.

O resto, passos altivos
Nos labirintos do tempo
Que não se sabe aonde irão.

Faixas de silêncio dobram
Sobre os olhos que estão vendo
Jardins de recordação.

Deixai que cantem as fontes
Ao menos, sobre esta pedra
Que põem no meu coração.

VÍDEO - O Mare e Tu - Andrea Bocelli & Dulce Pontes

Aceitação - Cecília Meireles

É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra
e alcançar o rumor dos teus passos.
É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano
e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças,
criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.
Não me interessam mais nem as estrelas,
nem as formas do mar,
nem tu.
Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras:
também vou morrer de cantar.

Horizonte - Fernando Pessoa

O mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstrata linha


O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —
Os beijos merecidos da Verdade.

De um lado cantava o sol - Cecília Meireles


De um lado cantava o sol,
do outro, suspirava a lua.
No meio, brilhava a tua
face de ouro, girassol!

Ó montanha da saudade
a que por acaso vim:
outrora, foste um jardim,
e és, agora, eternidade!
De longe, recordo a cor
da grande manhã perdida.
Morrem nos mares da vida
todos os rios do amor?

Ai! celebro-te em meu peito,
em meu coração de sal,
Ó flor sobrenatural,
grande girassol perfeito!

Acabou - se - me o jardim!
Só me resta, do passado,
este relógio dourado
que ainda esperava por mim . . .


Comunicado - Miguel Torga

Na frente ocidental nada de novo.
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.

Poema escrito na água - A. Estebanez


Minha mão volta a escrever
entre as páginas das águas
onde o amor me volte a ler
a história de suas lágrimas.

Que nunca me falte a tinta
para o branco da memória
que amor é mágoa distinta
da mágoa de toda história.

E entre as páginas viradas
que inundam meu coração
deixo mágoas derramadas
com sabor de uma canção.

Quantas delas já verteram
das águas todas passadas
e de espuma converteram
dor em flores restauradas.

Minha mão vem descrever
como faz a flor das águas
que reescreve o alvorecer
da vida isenta de mágoas.


O mar, o mar - Rafael Alberti


O mar. O mar.
O mar. Só o mar!

Por que me trouxeste, pai
à cidade?
Por que me desenterraste
do mar?

Em sonhos, a marejada
me tira do coração.
Se o quisera levar.

Pai, por que me trouxeste
aqui?

Deus Triste - Carlos Drummond de Andrade

Deus é triste.

Domingo descobri que Deus é triste
pela semana afora e além do tempo.

A solidão de Deus é incomparável.
Deus não está diante de Deus.
Está sempre em si mesmo e cobre tudo
tristinfinitamente.
A tristeza de Deus é como Deus: eterna.

Deus criou triste.
Outra fonte não tem a tristeza do homem.

O Buraco do Espelho - Arnaldo Antunes

O buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí
pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some
a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve
já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora.

VÍDEO - Elis Regina e Grupo Humahuaca

VÍDEO - Sinal fechado - Toquinho & Badi Assad

Jardim - Sophia de Mello Breyner Andresen

Alguém diz:
"Aqui antigamente houve roseiras"
- Então as horas
Afastam-se estrangeiras,
Como se o tempo fosse feito de demoras.

Poema natural - Adalgisa Nery

Abro os olhos, não vi nada
Fecho os olhos, já vi tudo.
O meu mundo é muito grande
E tudo que penso acontece.
Aquela nuvem lá em cima?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Ontem com aquele calor
Eu subi, me condensei
E, se o calor aumentar, choverá e cairei.
Abro os olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei.
Aquela alga boiando, à procura de uma pedra?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Cansei do fundo do mar, subi, me desamparei.
Quando a maré baixar, na areia secarei,
Mais tarde em pó tomarei.
Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha,
Fecho os olhos e comento:
Aquela pedra dormindo,
parada dentro do tempo,
Recebendo sol e chuva,
desmanchando-se ao vento?
Eu estou lá,
Ela sou eu.

O Pastor Amoroso - Alberto Caeiro/Fernando Pessoa

O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E de tanto pensar,
nem tocou a flauta que trouxe pira tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu.
Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele,
recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.
Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem,
estão presentes.
(E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo,
lhe entrou fresco nos pulmões)
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor,
uma liberdade no peito.

Campo - Cecília Meireles


Campo da minha saudade:
vai crescendo, vai subindo,
de tanto jazer sem nada.
Desvelo mudo e contínuo
que vai revestido os montes
e estendendo outros caminhos.
Mergulhada em suas frondes,
a tristeza é uma esperança
bebendo a vazia sombra.
Águas que vão caminhando
dispersam nos mares fundos
mel de beijo e sal de pranto.
Levam tudo, levam tudo
agasalhado em seus braços
Campo imenso -- com o meu vulto...
E ao longe cantam os pássaros.

VÍDEO - Gal Costa e Zeca Baleiro

William Blake


Aquele que beija a alegria
enquanto ela voa
Vive no amanhecer da
eternidade!



Sempre madrugada - Helena Kolody


Para quem viaja ao encontro do sol,
é sempre madrugada.

Fragmento nº 5 - Affonso Romano de Sant’Anna


Página branca onde escrevo.
Único espaço de verdade que me resta.
Onde transcrevo o arroubo, a esperança
e onde tarde ou cedo
deposito meu espanto e medo.
Para tanta mentira só mesmo um poema
explosivo-conotativo
onde o advérbio e o adjetivo
não mentem ao substantivo
e a rima rebenta a frase
numa explosão da verdade.
E a mentira repulsiva
se não explode pra fora
pra dentro explode implosiva.


Que seja doce - Caio Fernando Abreu

Repito todas as manhãs,
ao abrir as janelas para deixar
entrar o sol ou o cinza dos dias,
bem assim: que seja doce.
Quando há sol, e esse sol bate
na minha cara amassada do sono
ou da insônia,
contemplando as partículas de poeira soltas no ar,
feito um pequeno universo,
repito sete vezes para dar sorte:
que seja doce que seja doce que seja doce
e assim por diante.
Mas, se alguém me perguntasse
o que deverá ser doce,
talvez não saiba responder.
Tudo é tão vago como se fosse nada.
Ninguém perguntará coisa alguma, penso.
Depois continuo a contar para mim mesmo,
como se fosse ao mesmo tempo
o velho que conta e a criança que escuta,
sentado no colo de mim.

A Procura - Cora Coralina

Andei pelos caminhos da vida.
Caminhei pelas ruas do destino-
procurando meu signo.
Bati na porta da Fortuna,
mandou dizer que não estava.
Bati na porta da Fama,
falou que não podia atender.
Procurei a casa da Felicidade,
a vizinha da frente me informou que
ela tinha se mudado sem deixar novo endereço.
Procurei a morada da Fortaleza
Ela me fez entrar:
deu-me veste nova, perfumou meus cabelos...
fez-me beber de vinho.
Acertei o meu caminho.

Rotação - Cassiano Ricardo


a esfera
em torno de si mesma
me ensina a espera
a espera me ensina
a esperança
a esperança me ensina
uma nova espera a nova
espera me ensina
de novo a esperança
na esfera

a esfera
em torno de si mesma
me ensina a espera
a espera me ensina
a esperança
a esperança me ensina
uma nova espera a nova
espera me ensina
uma nova esperança
na esfera

a esfera
em torno de si mesma
me ensina a espera
a espera me ensina
a esperança
a esperança me ensina
uma nova espera a nova
espera me ensina
uma nova esperança
na esfera

A Voz do Poeta - Ferreira Gullar


Não é voz de passarinho
flauta do mato
viola

Não é voz de violão
clarinete pianola

É voz de gente
(na varanda? na janela?
na saudade? na prisão?)

é voz de gente - poema:
fogo logro solidão.

Rainer Maria Rilke

A saudade é isto: viver nas ondas
E não ter pátria no tempo.
E desejos são isto: diálogos baixos
De horas diárias com a eternidade.
E a vida é isto: até que de um ontem
surge a mais solitária das horas
Que, sorrindo diferente das outras irmãs,
Vai calada ao encontro do eterno.